| A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z | Estrangeiros | |||||||||||||
João Francisco Lisboa contribuiu para os debates que então orientavam os letrados brasileiros na busca de definir os modos como deveria ser escrita da história do Brasil. Fazem-se presentes em seus textos reflexões acerca da melhor periodização da história nacional, que sentido dar à colonização portuguesa, qual o lugar dos indígenas e dos africanos, como tratar os documentos, quais os objetos que uma história filosófica deveria abarcar. Em seus "Apontamentos, Noticias e Observações para servirem à história do Maranhão", publicados ainda dentro da primeira fase do Jornal de Timon, por exemplo, é possível identificar como Lisboa aciona uma série de princípios para a escrita da história a partir do confronto com os cronistas coloniais. A sua crítica aos Annaes (1718-1722) de Bernardo Pereira de Berredo é estruturada a partir de uma oposição entre a "crônica" e a "história filosófica", tal como passavam a ser entendidas em meados do século XIX no Brasil. Berredo, segundo Lisboa, buscou adotar um estilo pomposo e nobre, quando seu objeto demandaria um estilo mais seco e objetivo, em conformidade com os princípios de verossimilhança de uma nova sensibilidade histórica. A divisão dos capítulos em Berredo, igualmente, é criticada por remeter ao modelo da epopeia, distante do que demandaria uma narrativa histórica ciosa de compreender o processo de formação da sociedade colonial. Para a compreensão correta da história, por fim, ao invés de focar no grande objeto que caracterizava a tradição historiográfica clássica, a guerra, Lisboa afirma a necessidade de tematizar os objetos próprios de uma história filosófica, quais sejam: agricultura, comércio, população, costumes. Outro tópico que permeia seus escritos diz respeito à questão indígena, tema sensível politicamente e bastante discutido no IHGB. Se Lisboa posicionou-se, em seus primeiros escritos, a favor da colonização portuguesa e cético quanto à possibilidade de civilização dos indígenas, posteriormente tornou-se um dos maiores acusadores da violência histórica contra aquelas populações, protagonizando uma célebre querela com o autor da História Geral do Brasil, Francisco Adolpho de Varnhagen (1816-1878). É a partir da autoridade dos protocolos disciplinares da crítica histórica e de sua experiência nos arquivos portugueses que Lisboa sustentava sua argumentação. O estudo criterioso de documentos inéditos, portanto, permitia a Lisboa asseverar fatos históricos que comprovavam os atos de violência que marcaram a colonização portuguesa. A querela, no entanto, não se restringia apenas à definição de questões de fato, mas também a princípios morais que deveriam guiar (ou vetar) o trabalho do historiador. Tão ou mais importante que definir a singularidade dos fatos, havia um certo reconhecimento de que a escrita da história também se inseria como um ato moral, cujas implicações não poderiam ser desprezadas. No caso da crítica à Varnhagen, esse princípio se expressava na deslegitimação de uma concepção da violência de Estado como fator de civilização, cara ao autor da História Geral. Para Lisboa, fazendo uso de uma tópica liberal, o elogio a esse tipo de ação política não apenas associaria equivocadamente "civilização" e "violência", como acabaria por expor todos os cidadãos à sua mesma lógica: "Se quereis a guerra e a escravidão para converter e civilizar o selvagem, haveis dentro em pouco de admitir também, de bom ou mau grado, o emprego da força, do ferro e do fogo para cultivar o espírito e regular a consciência do homem civilizado" (Crônica Política, 1984, p. 241). |
|||||||||||||