O teor da obra de Álvaro Cunhal sobre a crise de 1383-1385 não se distingue pelo recurso a novas fontes ou por qualquer pesquisa de primeira mão, pois fundamenta-se na crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e na revisão da literatura historiográfica medieval existente, com destaque para as obras de Alexandre Herculano e de Gama Barros, bem como para a interpretação da “revolução de 1383-85” desenvolvida por António Sérgio.

As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média apresenta-se como uma obra com sentido simultaneamente epistemológico, historiográfico e prático, isto é, como a aplicação da inteligibilidade marxista a um período de viragem brusca na história pátria, que não se distancia, em momento algum, do alcance ideológico e político próximo que a si própria imputa.

A incursão historiográfica de Cunhal faz relevar, em primeiro lugar, o modelo teórico que adopta, firmado nos escritos de Marx e de Engels, mestres frequentemente citados e parafraseados. O confronto entre as novas forças produtivas e a ordem feudal, a análise dos interesses das diferentes classes sociais e dos conflitos deles decorrente, a apreciação das relações de forças entre as partes e dos sistemas de alianças que as associam, a determinação social e política do discurso e da legitimação do poder são representações conceptuais e procedimentos interpretativos que valeriam por si, ao configurarem o corpo inteiro do modelo de abordagem histórica perfilhado. À persuasão própria de uma leitura com fundamento filosófico e método próprios, que permitiria ao investigador e ao leitor abordar o objecto histórico como realidade dialéctica expectável, e, assim, dissolver a acidental fortuna, junta-se o exemplo de concertamento de cada um dos factos presentes no evoluir dramático do período considerado numa visão global e coerente, nomeadamente daqueles aspectos que haviam resistido às interpretações alheias, como o carácter instável do monarca, o efeito inusitado da epidemia, a eloquência do tribuno ou, mesmo, do cronista.

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