Como outro exemplo da preferência de Lourenço pela elaboração de traços estruturantes, sirva uma afirmação em entrevista recente. Segundo ele, do ponto de vista cultural e político, a visão do mundo predominante na França foi adoptada pela nossa elite, mas não pelo conjunto da sociedade portuguesa (Ler, nº 138, Verão 2015, p. 33). Esse tema desenvolveu-o, aliás, no ensaio “Portugal-França ou a comunicação assimétrica”, incluído no volume Nós e a Europa, ou as duas razões, uma colectânea que ajuda a configurar o retrato colectivo português e ibérico (de novo próximo de Oliveira Martins) face à Europa (França, sobretudo). Note-se, a propósito, que em escritos mais recentes Lourenço tem estabelecido outras comparações, desta feita com o mundo anglo-americano.

A distinção atrás estabelecida entre a elite e as massas é importante para o ensaísta, na medida em que ele reconhece dois níveis distintos de portugueses: a elite educada, que seguiu e procurou imitar a França em especial a partir do século XIX, e a população em geral que permaneceu arraigada a vivências com raízes ancestrais (captadas, por exemplo, por autores tão diversos, como Oliveira Martins em textos históricos, e Teixeira de Pascoaes na poesia), e que resistiram a qualquer assimilação para além de superficiais modernizações externas, algumas das quais meramente epidérmicas.

Um exemplo prototípico de ensaio em que Lourenço melhor revela as suas coordenadas teóricas de fundo em material de história pode ser “Portugal como Cultura”, inserido no volume A Nau de Ícaro, seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia. Esse ensaio abre com a afirmação que resume e corrobora o atrás dito: “O silencioso ou silenciado daquilo a que hoje chamamos ‘cultura portuguesa’, por ser expressão vital e simbólica do povo português, é o magma obscuro de heranças e ritos milenários onde, sem termos consciência disso, enraízam as manifestações visíveis e claras dessa cultura” (p. 37).

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