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FERREIRA, David Mourão |
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Neste volume inclui-se o verbete (recolhido em Motim literário - Ensaio, crítica, polémica, 1962) “Lirismo”, datado de 1949 – quando David tem vinte e dois anos -, no qual define este modo do literário em termos que seguem Paul Valéry: “Lirismo – desenvolvimento de uma exclamação: atitude de quem se espanta, se admira ou repara – perante ou em uma - qualquer circunstância, e tende logo a isolá-la, a torná-la independente e memorável.” (p.79), de acordo com o que designa como “processo” (p.81). Eis princípios metodológicos que sempre seguirá: ao conhecimento empírico e imediatista terá que acrescentar-se o estudo, erguendo o monumento de pedra que Horácio propugnara para o sentido de memória e de historicidade que a literatura e as artes implicam, e a que a crítica dá corpo esclarecido. Fá-lo-á, nomeadamente, como aduz ainda, considerando que “as grandes épocas do lirismo”, num quadro historicista de matriz clássica, “são aquelas em que se consegue o equilíbrio, a coerência ou proporção, entre os motivos e a técnica, entre os temas e as formas”, atingindo a “correspondência harmoniosa” entre os “elementos” (pp.81-82; itálicos do texto). Em 1949 Mourão-Ferreira enuncia nestes termos a sua rigorosa concepção de lirismo, evidente tanto no conjunto da sua prática crítica como na sua multímoda obra literária. Em tudo segue estes apolíneos princípios, lembrando-se da tradição mas inventando a partir dela uma voz própria, burilada ao longo dos anos mas sempre próxima destas matrizes. O largo e actualizado conhecimento de outras literaturas e de matrizes teóricas do seu pensamento, visível desde os anos quarenta, articula-se na perfeição, por exemplo, na Távola Redonda, “folhas de poesia” que dirigiu com António Manuel Couto Viana e Luís de Macedo (1950-1954), tanto em textos de teorização e de crítica quanto na colaboração poética, devendo lembrar-se que esta publicação deu lugar a nomes já firmados e a outros que então começam, entre os quais Alberto de Lacerda (secretário da revista), Sebastião da Gama, Fernanda Botelho e outros mais. Tais práticas de abertura manifestam-se ainda no muito importante papel que desempenhou na divulgação de poesia em vários programas de televisão, destacando-se Imagens da poesia europeia (1969-1974), amplo panorama de textos e autores que traduziu a partir dos finais da década de quarenta, hoje acessíveis nos memoráveis números 163, 164 e 165 de Colóquio-Letras (2003). Traduziu “de Homero a Ibn Al Sâbûni” (nº163), “da ‘Cantilena de Santa Eulália’ a G.G.Byron” (nº164), “de Charles Baudelaire a Tomás Segovia” (nº165). Fez traduções n(por fontes directas ou em segunda mão) do grego e do latim, do anglo-saxão e do árabe, do hebraico, do francês antigo e moderno, do castelhano e do catalão, do inglês, das línguas nórdicas e germânicas, do russo. O que tal empresa mostra é não apenas o eclectismo de leituras e a trans-historicidade das referências, mas também um rigoroso percurso crítico, permitindo uma selecção a partir de fontes que advêm de uma pesquisa continuada e da afirmação de um gosto seguro. Inscreve-se além disso numa linhagem de tradutores e na problematização do que seja traduzir, repercutindo-se em ensaios seus sobre poetas e ficcionistas muito variados. Por exemplo, o conhecido poema de Adriano “Animula vagula blandula”, verte-o David Mourão-Ferreira como “Alma minha, brandinha, vagabunda,/ do corpo acompanhante e moradora,/(…)” (Colóquio-Letras nº163, p.154), o que interessa considerar tanto pelo aceno ao soneto de Camões “Alma minha gentil, que te partiste”, como pela referência a Mémoires d’Hadrien de Marguerite Yourcenar (1951) – autora que estudará no livrinho de 1988 Marguerite Yourcenar: Retrato de uma voz. |
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