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FERREIRA, David Mourão |
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É um gesto pioneiro que se sabe não consensual, como certas reacções vieram a dizer, fundado no genuíno interesse por tudo o que pudesse complementar a complexidade pessoana, olhando-a com uma lâmpada no escuro (glosando o título do volume de 1979). O conhecimento da obra do poeta de “Tabacaria” manifesta-se ainda na antologia O rosto e as máscaras – Textos escolhidos em verso e prosa (antologia cronológica, organizada e prefaciada por David Mourão-Ferreira, 1976, 2ªed. 1979), propondo uma leitura enquadrada na tradição em que se inscreve o universo Pessoa – o decadentismo e o simbolismo, o saudosismo d’A águia, etc, tudo revertendo para aquela matriz de unidade e diversidade que Jacinto do Prado Coelho estudara, em mais um aceno ao conceito de polígono que, como estamos vendo, é uma das linhas constantes do trabalho crítico de Mourão-Ferreira. Não menos relevantes são os ensaios sobre a revista presença e em especial sobre José Régio, concentrados em Presença da “presença” (1977). David, também ele mentor de revistas como Távola Redonda, colaborador de vários periódicos e de diversas outras publicações, mostra uma relação nem sempre pacífica com Régio, a que se refere em termos críticos com a elevação habitual, aproveitando também para, à semelhança do que em vários outros ensaios fez, registar momentos da sua biografia – no caso, a ousadia de ir ao encontro do poeta para “procurar conhecer pessoalmente um escritor que muito admirava” (p.134), sendo de notar que a aproximação se acentua pelo elevado lugar que ambos atribuem a António Sérgio. De muitos outros autores se acercou em toda a sua vida de crítico, ensaísta e professor David Mourão-Ferreira – basta que se refiram alguns daqueles que levou os seus alunos a ler, como Manuel Teixeira-Gomes, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, Vitorino Nemésio, Sebastião da Gama e muitos outros poetas e ficcionistas de primeira plana, tratados todos Sob o mesmo tecto (título de 1989) a partir da sólida carta de marear traçada desde muito jovem, crescendo e alterando-se sem nunca deixar as suas raízes. A obra ensaística teve reconhecimento expresso em numerosos prémios de entre os mais relevantes atribuídos em Portugal (Prémio Jacinto do Prado Coelho, 1988; Grande Prémio de Ensaio Literário APE/PT, 1990; Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores, 1996, juntando-se aos muitos galardões que recebeu pela sua obra de poeta e de ficcionista). Estas distinções dão merecido e justíssimo destaque ao labor crítico deste autor; nessa senda se situa a homenagem póstuma da Colóquio-Letras (1997): refiram-se, além dos já mencionados, o artigo de Ernesto Rodrigues sobre “David verbetista”, e o de Vítor Aguiar e Silva, numa certíssima síntese de todo o trabalho ensaístico de David Mourão-Ferreira. Multímodo e sempre movente, o ensaísmo de David Mourão-Ferreira caracteriza-se por uma oficina regida pelo rigor, pelo amor da literatura e do seu aturado estudo, integrando e iluminando todas as faces de um polígono de notável abrangência e de suprema importância no panorama da crítica e da historiografia literária em Portugal. Ócios do ofício se intitula o volume de ensaios de 1989 – aqui se lê o brilho das assonâncias e a consciência de que a literatura tem efeitos sonoros e retóricos em que se alicerça o gosto, erguido pelo ofício, quer dizer, pela análise combinada com a síntese, pelo labor que nunca esmorece, se alarga e cresce sempre, contagiando quem lê e – permita-se o termo – quem o venera como um mestre. |
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