| A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z | Estrangeiros | |||||||||||||
Tendo, portanto, a Zona da Mata pernambucana como foco, região que abrangia também a uma parte correspondente aos territórios de Alagoas e outra da Paraíba, Evaldo Cabral de Mello reconstituiu eventos que envolviam especialmente a aristocracia pernambucana (“açucarocracia”). A partir das tramas e enredos locais, sem se deixar seduzir pelo provincianismo, confrontou o que julga ser o “imperialismo historiográfico” do Rio de Janeiro ou Centro-Sul brasileiro. Tal “discurso Saquarema” apresentaria, segundo Cabral de Mello, leituras que interessavam ao centro de poder do império brasileiro, o que marginalizaria praticamente outras regiões que resultaram mais tarde em unidade chamada Brasil. Suas obras colocaram o Nordeste (ou Norte, como a região era chamada antigamente) como ponto privilegiado de estudo, ampliando a observação de eventos históricos regionais de impacto no Brasil colonial, em um contexto bem mais amplo. Assim, dissecou o objeto estudado extrapolando as fronteiras da então América portuguesa, expondo o confronto entre os interesses da açucarocracia e os de outras elites do centro do império. Ao mesmo tempo, dialeticamente, mostrou o uso político do discurso nativista pernambucano, produzido pelas elites locais para consecução de benesses e manutenção do poder regional. Evaldo Cabral de Mello sempre viveu em ambiente urbano, tendo morado até os 18 anos apenas em Recife. Estimulado ao mundo da leitura desde cedo, aos quatro anos se encantou por O touro Ferdinando (tradução de The story of Ferdinand, de Munro Leaf, EUA, 1936). Hoje um clássico da literatura infantil mundial, a história o marcaria por toda a vida, por tê-lo feito enxergar a existência de dois tipos de pessoas, umas agitadas, outras reflexivas e criadoras, associação que ele fizera aos “vinte e tantos anos” ao ler o filósofo Ortega y Gasset (In M. Hélio, “Eles se detestavam”, 2002, p. 14).Foi o único entre os irmãos que não chegou a vivenciar o cotidiano de um engenho, o que lhe causava frustração. Talvez por isso, Evaldo Cabral de Mello foi impactado na adolescência pela leitura de Fogo morto (1943), de José Lins do Rego, romance sobre a decadência dos senhores de engenho, realidade que também afetou a família. A obra despertou nele o gosto pela escrita e isso até o fez pensar em enveredar na carreira de escritor de ficção. (L.M. Schwarcz e H.M Starling, Três vezes Brasil, 2019). Ainda adolescente, leu Tempo dos Flamengos (1947), do primo historiador José Antônio Gonsalves de Mello. E foi ali, com o início de convívio com este pesquisador – um dos mais importantes especialistas sobre a presença holandesa na Zona da Mata pernambucana, que o incentivou ainda a aprender o holandês seiscentista – que foi fundamentalmente influenciado a fazer estudos historiográficos e iniciar publicações na área. O interesse em pesquisar o Brasil (Pernambuco, em específico) e o gosto pela literatura foram movidos também por outros parentes próximos, como o primo Gilberto Freyre, que prefaciou o ensaio Aspectos da descaracterização do Recife (1951), editado pelo Grêmio Literário Ruy Barbosa, quando Evaldo Cabral de Mello tinha 15 anos. Nesta obra, o jovem autor mostrava preocupação com a forma rápida que a cidade se desenvolvia sem preservar o patrimônio arquitetônico e aspectos ecológicos. No ano seguinte, outro opúsculo sairia no mesmo sentido: Recife – uma introdução ao estudo das suas formas e das suas cores (1952), pela editora Região. Estes escritos mostravam proximidade de pensamento de Evaldo Cabral de Mello com Gilberto Freyre, uma afinidade que não perduraria na etapa madura do historiador segundo ele mesmo afirmou em entrevista (R. Bertol, Peripécias de Evaldo Cabral, 2003). Já o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999), irmão mais velho de Evaldo Cabral de Mello, mais o influenciou na escolha da profissão que iria seguir no serviço público do que no interesse pela literatura e pela apurada narrativa que marcaria sua trajetória enquanto historiador. |
|||||||||||||