Seara Nova, revista de doutrina e crítica, Lisboa, 1921-1984 (1ª. Série)
1 / 7
A Seara Nova é uma referência central na história da cultura portuguesa do século XX, indispensável para aqueles que queiram conhecer as alternativas políticas e culturais que se gizaram desde o final do regime republicano até ao ocaso do Estado Novo e onde confluíram diversas personalidades críticas desses regimes políticos. A relevância que tem sido atribuída à Seara Nova tem implícita uma ambiguidade nem sempre explicitada, pois remete, por um lado, para um movimento intelectual e cívico que pugnava por uma revolução da mentalidade das elites portuguesas, de inspiração crítica, humanista e racionalista, visando um regresso aos ideais inspiradores da instauração da república, e, por outro, o órgão que lhes serviu de instrumento e tribuna. Este último não se circunscreveu ao período de maior intervenção no espaço público dos seus fundadores e principais impulsionadores (casos de, entre outros, Raul Proença, Jaime Cortesão e António Sérgio), sobrevivendo, com novos protagonistas e mundividências, vários anos após o núcleo fundador ter deixado de contribuir para a revista.
Mais do que uma distinção analítica e retrospectiva, a destrinça entre o movimento intelectual fundador e o rumo do periódico foi fomentada ainda nas primeiras décadas da sua existência. António Sérgio – que se afastou da direcção da revista em 1939 por divergências quanto à forma como esta estava a ser administrada – seria um dos principais críticos do caminho que considerava dissonante em relação aos intuitos iniciais. Num texto publicado postumamente, dava conta dessa cisão, contrapondo à fraternidade, elevação moral e unidade espiritual dos “homens da Seara”, a desunião intelectual da “multidão heteróclita” que se seguiu à sua saída. Ainda na opinião de António Sérgio, “o espírito seareiro perdeu de todo o seu órgão, e passou a só existir em certas individualidades dispersas” (Sérgio, “Sobre as correntes inclusas na «Renascença Portuguesa» e seu destino”, p. 56). Lembre-se que, já no início dos anos 30, Sérgio tinha sido bastante crítico quanto à posição tomada por José Rodrigues Miguéis na polémica com Castelo Branco Chaves (que se saldou na saída do primeiro da revista), opondo duas concepções de revolução e do papel dos intelectuais na sociedade. Miguéis, com o seu “pendor para o bolchevismo”, nas acusações de Sérgio (n.º 231, Dezembro 1930, p. 233), não representava a atitude e os valores seareiros. Esse sentimento de cisão entre o grupo fundador e a direcção que a revista tomava deve também ter em conta o contexto político que se seguiu à Ditadura Militar: vários dos seus protagonistas foram perseguidos pelo novo regime, exilados e, consequentemente, com menor capacidade de influência directa sobre os destinos da publicação.