Seara Nova, revista de doutrina e crítica, Lisboa, 1921-1984 (1ª. Série)
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Uma das principais características da Seara Nova foi também ter-se constituído como lugar de debate e crítica, inclusivamente no campo historiográfico, legado dos primeiros anos da revista que foi mantido nas décadas seguintes. Polémicas que não visavam apenas o confronto de ideias com historiadores de outros quadrantes ideológicos – caso das polémicas entre António Sérgio e Carlos Malheiro Dias e Manuel Múrias (1925) ou entre Carlos Olavo e Alfredo Pimenta (1941) – mas também entre colaboradores da revista – as críticas de Duarte Leite a algumas das teses de Jaime Cortesão no âmbito da história da expansão ultramarina, por exemplo (Leite, Coisas de vária história, 1941).
São ainda de realçar as críticas de António Borges Coelho a Vitorino Magalhães Godinho (n.º 1494, Abril 1970, 136-40), pelo significado que têm para a compreensão das diferentes matizes e perspectivas que por vezes são sintetizadas (mas não explicitadas) em categorias analíticas como “historiografia marxista” ou “historiadores comunistas”. Borges Coelho, que entrevistara Magalhães Godinho uns meses antes na Seara Nova (n.º 1480, Fevereiro 1969, 53-56), lançara-se numa crítica ao autor dos Ensaios que visava não apenas os conceitos centrais da sua obra historiográfica mais recente – considerava os conceitos de “complexo histórico-geográfico” e “estrutura” pouco claros e precisos – mas também a sua explicação geral dos fenómenos e devir históricos. Acusava Godinho de “economismo” ao ignorar o papel das lutas dos diferentes grupos sociais – perspectiva que ganhava uma nova dinâmica historiográfica nos anos 60 (José Neves, Comunismo e nacionalismo..., 329-33) – e o “comportamento consciente” desses mesmos grupos, em detrimento do mecanismo das estruturas económicas. Magalhães Godinho viria refutar essas críticas e a explicitar melhor os referidos conceitos (Ensaios, vol. III, 1971, XI-XXXI). Mas não deixa de ser significativo que o historiador comunista, tantas vezes identificados às teorias deterministas e teleológicas, viesse reclamar para a historiografia valores e um estilo pouco condicentes com concepções que se reclamavam rigorosamente científicas e objectivas: “Certamente, a paixão da verdade não deve nublar o juízo, mas é preciso que fique bem claro que a reconstituição histórica pode e deve ser apaixonada ou nunca conseguiremos aquecer o seu corpo no esforço sempre perseguido e sempre inacabado de lhe dar vida. E no entrelaçar de todos os factores da síntese histórica, nunca a imaginação, o fulgor, nem o estilo ou a paixão serão algum dia bastantes” (137).