Seara Nova, revista de doutrina e crítica, Lisboa, 1921-1984 (1ª. Série)
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Revista eclética, a história foi apenas uma das áreas culturais e científicas que tiveram lugar nas suas páginas. Ainda assim, há que realçar que o projecto seareiro se manifestou também num discurso historiográfico que se foi cerzindo em torno do passado nacional. No final do manifesto com que abre o primeiro número da revista, são enunciados vários slogans que expressam uma especial atenção ao lugar do passado no espaço público: “O grupo Seara Nova não se limita a prosternar-se perante as glórias passadas da Pátria: quere criar para a Pátria uma nova glória”; “O grupo Seara Nova não se limita a glorificar os mortos heróis: quere que apareçam os herois vivos”; ou ainda: “O grupo Seara Nova não fará festas, nem lançará morteiros. Dirige todos os esforços para a acção, e para a preocupação do dia de hoje e de amanhã”.
O anti-passadismo patente, combate desde a primeira hora do grupo, seria um dos esteios da Seara Nova e dos seus desejos de modernização e transformação da sociedade portuguesa. Ainda assim, desde cedo se considerou urgente enraizar o diagnóstico dos males da pátria numa narrativa da história portuguesa onde se traçariam as principais linhas definidoras do país. Nessa empresa destacou-se António Sérgio e o seu ensaísmo histórico que considerava necessário para a libertação do peso do passado no tempo presente. Embora a sua reflexão sobre o passado nacional não fosse de todo original – o essencial do seu esquema interpretativo era tributário do de Oliveira Martins, segundo Magalhães Godinho (n.º 1507, Maio 1971, p. 36) – contribuiu decisivamente para a divulgação de uma influente narrativa da história portuguesa, articulada com os valores e diagnósticos dos seareiros. A sua Breve interpretação da história de Portugal – originalmente publicada em Espanha em 1929 mas com nova edição portuguesa no início dos anos 70, – é demonstrativa dessa perene influência na cultura portuguesa. Como ideias-chave destaque-se a importância que confere ao cosmopolitismo e abertura ao exterior em momentos cruciais do passado nacional, nomeadamente no período em que se forja a sua independência, na revolução de 1383-85 e no período áureo da expansão marítima, nos quais a preponderância de uma “burguesia de mercadores do litoral” fora determinante para o desabrochar desses processos. No sentido inverso, a decadência da história portuguesa era associada ao seu isolamento e ensimesmamento. A importância conferida à revolução das mentalidades dos grupos dirigentes pelos seareiros repercutia-se igualmente no destaque conferido ao comportamento das elites na história portuguesa. O parasitismo de uma elite dependente do estado ou do trabalho de outros, incapaz de fixar a riqueza e de instruir e fazer progredir o povo é uma constante na narrativa de Sérgio, contraposta a uma elite esclarecida, pragmática e racional que teria vingado no início da expansão marítima ou, num contexto socialmente minoritário, em alguns “estrangeirados” que representavam a modernidade da época – tópico que teria repercussões em alguns historiadores oposicionistas nas décadas seguintes, não raro num sentido auto-referencial.