Nesta linha, entroncava uma segunda preocupação historiográfica de Borges Coelho, que resultava afinal de perceber quem havia culturalmente legado o saber que facilitou a dianteira da expansão marítima. A indagação a que procede leva-o à longa presença islâmica no território ocupado por Portugal. O interesse pelo tema adensa-se quando volta a frequentar a Faculdade de Letras. Era uma inquietação que resultava afinal da estranha situação de, depois de séculos de presença muçulmana como cultura dominante, não terem ficado quaisquer vestígios, como asseverava uma das mais eminentes professoras da Faculdade do seu tempo, como se uma espécie de apocalipse tivesse soterrado fundo todo esse passado.

E foi ainda enquanto estudante que começou a ler, a investigar, a traduzir, a sistematizar informação referente ao passado muçulmano e que conduz, alguns anos depois, à publicação, entre 1972 e 1975, dos quatro volumes de Portugal na Espanha Árabe. Tratava-se, à época de uma verdadeira revelação, uma espécie de janela que se abria para o lado de lá da historiografia oficial, uma janela que apenas havia sido entreaberta por Alexandre Herculano e, muitos anos depois, por David Lopes e que, mesmo praticamente marginal, como que se eclipsara depois. Por essa janela se acedia aos poetas, filósofos, geógrafos, cronistas muçulmanos, às rotas culturais por onde esse saber circulava, conectado nas suas especificidades com o vasto mundo islâmico. Porém, a obra é substancialmente mais do que uma mera colecção desse saber e desses vestígios, já de si fundamental dado o desconhecimento histórico do período; é a fundamentação, o quadro mais geral a partir do qual era possível estabelecer de modo consistente, a revalorização desse legado, que, mantido como resistência, contribui para um novo sentido de modernidade.

Comunas ou Concelhos, de 1973, surge, neste contexto, como que mais uma peça colocada no quadro interpretativo que persegue. Se o legado muçulmano criara condições para a dianteira expansionista num contexto de desenvolvimento do comércio internacional, o universo concelhio representava em muitas circunstâncias um espaço de florescimento burguês, cuja autonomização face aos poderes feudais configurara espaços de liberdade, geridos pela comunidade dos homens bons que se viriam a instituir por reconhecimento, e não por outorga régia, face a uma realidade que o precedia e que resultava justamente da afirmação da burguesia num processo que arrancava de baixo. O quadro interpretativo era assim tão original e estimulante, quanto polémico, vindo o derrube da ditadura a criar condições para que o debate se pudesse travar, aceso, mas livre de constrangimentos.

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