Adicionalmente, Lapa viu neste período de confusão a pujança de um estilo peninsular que persistiu em existir, apesar da falta de talento dos seus cultores, e que, assim enraizado, não se deixaria apropriar por esquemas métrico-versificatórios estrangeiros, antes tendo ganho na redondilha camoniana a sua forma mais acabada (Lições…, 1981, 341).

Quanto à monumental edição das cantigas de escárnio, a sua simples publicação deu azo a que a linguagem indecorosa de muitas das composições deste género tivesse causado desconforto aos costumes da sociedade portuguesa de então. O grau de dificuldade da elaboração deste trabalho está bem sinalizado por as outras edições de género (cantigas de amigo e cantigas de amor) terem sido feitas havia várias décadas e, até Lapa ter aceitado o desafio de o preparar, nunca ninguém ter ousado enfrentá-lo. O número de edições monográficas, que são decerto um auxiliar precioso para a realização de uma edição por género, disponível em 1965 ainda não era elevado (e ainda não se tinha tornado nos estudos da lírica galego-portuguesa um formato habitual de trabalho). Lapa lidou com as enormes dificuldades de entendimento (pelo vocabulário menos formular do que o usado nas cantigas de amigo e de amor, pela contingência histórica de muitas referências difíceis de apreender), tendo feito um uso assinalável, por vezes menos moderado, como nota Ivo Castro, de intervenções editoriais.

Neste aspecto, Lapa afirmou-se como um exímio cultor do tipo de imaginação “que consiste em animar o que está morto nos documentos e faz parte do trabalho histórico, pois que este mostra e explica as acções dos homens”, sendo de louvar a sua capacidade de imaginação que torna o passado concreto (Le Goff, “História”, 1984, 173). Foram por certo estas dificuldades de entendimento que o levaram a colocar sob a edição individual de cada cantiga e antes da anotação um sumário do conteúdo, típico da edição de diplomas, na sua edição usado também para proporcionar uma síntese do que editores anteriores dizem acerca do texto. Até em questões de layout, como esta, se percebe que a matriz da discutível edição de Graça Videira Lopes (Cantigas de Escárnio e Maldizer dos trovadores e jograis galego-portugueses, Lisboa, Estampa, 2002) é o trabalho de Rodrigues Lapa. Enquanto editor, Lapa cultivou um espírito de revisão incessante e exigente de trabalhos de terceiros, ciente de que certas questões poderiam nunca ter solução (escreve acerca da edição das cantigas de amigo preparada por J. J. Nunes: “Se, numas vezes, a leitura dos apógrafos é corrente e indubitável, noutras é um problema, cuja resolução ficou e ficará talvez para sempre pendente” [Lições…,1981, 141]).

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