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MERÊA, Manuel Paulo Lisboa, 1889 – Caramulo, 1977 |
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A segunda fase da obra de Merêa foi dedicada à história da constituição feudal e à história das instituições medievais da família e das sucessões. As principais obras desta segunda fase da carreira de Paulo Merêa foram as sínteses das Lições de História do Direito Português (1925), o capítulo “Organização social e administração pública”, na História de Portugal dirigida por Damião Peres (1929), e alguns artigos como “A concessão da terra portugalense a D. Henrique no séc. IX” (1934), “Conventus nobilium” (1943) ou “De 'Portucale' (civitas) ao Portugal de D. Henrique” (1943). Sobre as instituições familiares e de sucessão, alguns textos particularmente relevantes foram “Arras. Achegas para a solução dum problema filológico-jurídico” (1936), “A 'arra penitencial' no direito hispânico” (1937), “Em torno do casamento 'de juras'” (1937), “Sobre a revogabilidade das doações mortis causa” (1937), “Sobre as origens do executor testamentário” (1940), “Sobre as origens da terça” (1940), “Estudos sobre a história dos regimes matrimoniais” (1942) ou “O problema das doações post obitum” (1943). Os títulos e a cronologia das publicações sugerem que, para Paulo Merêa, o estudo das instituições e o do direito privado se faziam pari passu. Para o historiador, a compreensão do funcionamento das instituições precisava necessariamente da compreensão do direito privado e essa foi uma das características mais visíveis do seu pensamento historiográfico. De facto, quando em 1923 Merêa publicou a sua primeira miscelânea (Estudos de História do Direito, 1923), incluiu no mesmo volume textos sobre direito privado, como “Considerações sobre a necessidade do estudo do direito consuetudinário português”, mas também sobre as instituições (por exemplo, “Como se sustentaram os direitos de Portugal sobre as Canárias” ou “Considerações acerca do judex visigótico”). No artigo sobre o direito consuetudinário, que se traduz num questionário que deveria servir para orientar estudos futuros, é facilmente observável a fluidez entre a história das instituições e a do direito privado: entre os vários “assuntos para que se chama a atenção” estão, por exemplo, a “vida colectiva”, o direito processual e penal” ou as “relações patrimoniais (propriedade, contratos) – economia popular” (Merêa, P., Estudos de História do Direito I…, 2007, pp. 102-105). Quando Paulo Merêa republicou, em 1952, parte dos seus estudos sobre direito hispânico medieval, sintetizou algumas bases sobre o estudo do direito nesse período. Primeiro, que as melhores fontes disponíveis eram os diplomas, porque são as fontes que “melhor nos elucida[m] sobre este obscuro período da nossa história jurídica” (Merêa, P., Estudos de Direito Hispânico…, t. I, p. vii). Do mesmo modo, o historiador defendeu que ao contrário do que se passou em França, em que o Breviário assumiu um papel preponderante, na Península Ibérica foi suplantado pelo Código Visigótico, a par com a sobrevivência da legislação romana (Merêa, P., Estudos de Direito Hispânico…, t. I, pp. vii-viii). Neste sentido, o elemento a que Merêa deu maior importância nos seus trabalhos sobre o direito medieval hispânico foi a tradição romana, o que o levou a estudar a legislação visigótica, os diplomas (em que “a continuidade do elemento romano é mais patente”) e os textos foraleiros. Com isto, o autor procurou acrescentar o direito romano ao contingente germânico no direito da Reconquista, uma vez que “Falar em «período germânico», tratar o direito foraleiro como um capítulo da Germanische Rechtsgeschichte, fazer prevalecer sobre o peso insofismável da tradição romana o discutível parentesco com o direito noruego-islandês, afiguram-se-me outras tantas aberrações” (Idem, p. ix). Socorremo-nos das palavras do autor para demonstrar aquela que ele mesmo considerou a grande inovação do seu trabalho: relegar para segundo plano uma historiografia que encarava o direito hispânico medieval como uma simples reencarnação do direito germânico para introduzir o elemento romano e, mais do que isso, mostrar como a componente romana se afigurou fundamental no desenvolvimento das instituições medievais. Esta visão, que foi particularmente visível na segunda fase da obra do autor, estava já presente no seu estudo sobre o feudalismo, publicado em 1912. O papel de Merêa no estudo do direito medieval hispânico foi fundamental. Foi este historiador que, nas primeiras décadas do século XX, decidiu passar por cima de uma historiografia positivista que considerava mal concebida, regressando a historiadores anteriores, como Alexandre Herculano ou Fustel de Coulanges, que, segundo ele, apesar de terem conclusões menos aprofundadas, eram mais seguras, por estarem mais apoiadas nas fontes disponíveis. Logo no seu primeiro livro, Paulo Merêa optou por não identificar a origem do feudalismo com os elementos romano ou germânico. Escreveu que “o germen remoto do futuro feudo [não estava] […] nem nas instituições públicas da sociedade romana, nem tão pouco nas da Germânia”. Para o historiador, “o feudalismo não nasceu de um sistema político; tem as suas raízes no terreno da vida privada” (Merêa, P. Introdução ao Problema…, 1912, p. 37), e aí dificilmente se conseguiria argumentar a prevalência de um sistema romano ou germânico. |
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