Muitos dos seus escritos encontram-se dispersos, sendo de difícil acesso, merecendo uma publicação que permitisse estudá-los em conjunto – e são muitos, espalhados por revistas por vezes de muito pequena circulação: Robert Ricard era generoso na distribuição da sua sabedoria. Exceptua-se que sobre a história dos portugueses em Marrocos a Universidade de Coimbra organizou uma recolha de artigos seus em 1955, e em 1970 foi a vez da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris reunir outros escritos sobre a história moral e religiosa de Portugal. São dois volumes indispensáveis aos estudiosos da cultura e da política portuguesa – e imprescindíveis a todos os eruditos.

Robert Ricard atém-se sempre muito de perto ao dizer das fontes – que conhece muito bem – para lhes retirar o sentido ou o significado que podem ter escondidos. Mas isso não lhe chegava. Não era um literato enfronhado apenas em papéis. Pesquisava directamente no terreno, como quando dedicou atenção à toponímia urbana portuguesa, para o que percorreu várias localidades, no que foi naturalmente ajudado pela guia de Orlando Ribeiro. Tratando do rossio procura pelas “formas e a etimologia do termo, separar o papel da coisa e esboçar um estudo comparativo com certos elementos do vocabulário espanhol” (“Recherches”, p. 134). E é assim que é levado a calcorrear algumas cidades portuguesas onde sabe encontrar os topónimos que pretende explicar. Do mesmo modo, também trata com minudência e excelentes exemplos as ruas direitas, as vias directas que outros estudiosos também percorrem. Ou a porta da traição que encontra em povoações portuguesas acasteladas. Ou o cuscuz tão popular na gastronomia marroquina a que procura equivalente em espanhol e em português.

Conseguia manter, mesmo perante os mais consagrados mestres (como José Leite de Vasconcelos) a sã desconfiança que deve caracterizar a pesquisa dos eruditos. RR estudava as expressões que pretendia explicar a partir da filologia e da realidade observada, “estudos parciais e locais”, antes de passar às definições precisas e de extremo rigor que queria atingir – e conseguia. (Études, p. 490). Era esse o seu método de trabalho. Veja-se um caso: para saber o que se deve entender por marlota passa em revista inúmeros exemplos em castelhano e em português, não esquecendo as contaminações marroquinas e mesmo o caso francês de marlotte. Com estas inquirições extensas e minuciosas chega por fim a “definir” o objecto do seu estudo.

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