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SENA, Jorge [Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu] | |||||||||||||
Coincidindo com linha de pensamento que vê no presente português um período de estagnação, atravessado por crises políticas e económicas, que contrasta com o passado dos Descobrimentos, Jorge de Sena revelou-se céptico em relação à evolução da história contemporânea portuguesa. Dotado de espírito cosmopolita, normal em alguém que se adaptou a diferentes países e formas de viver, questiona amiúde a incapacidade portuguesa de tirar partido do legado cultural e linguístico deixado por esse tempo de glória imperial (Alves, “Permanente lucidez crítica”, p. 22). Em parte associados à decadência e à ausência de soluções para ultrapassar o marasmo, problemas como o fechamento mental, o provincianismo ou a falta de audácia– características “psicológicas” traçadas também por autores como Teixeira de Pascoaes –, estimulam-no a escrever artigos, ensaios e poemas nos quais sobressai a frustração em relação à situação portuguesa. Considerando, porém, que as críticas de Jorge de Sena às lusitanas maneiras de encarar a vida sobrevêm, em parte, da sua luta pessoal pela consagração artística e académica, é acertado observar que não podemos ler certos textos, por exemplo sobre a “mediocridade” da classe artística nacional, sem termos em conta o seu caráter subjectivo, oposto aos critérios de rigor que os trabalhos académicos exigem. Existe abundante documentação versando sobre as tribulações por que passou o poeta até ser respeitado pelos seus congéneres. Sobre a sua relação com a intelectualidade portuguesa notou Eugénio Lisboa que, de maneira a alcançar a consagração artística, Sena combateu as “clássicas perfídias dos menos talentosos que são quase sempre também os mais mesquinhos” (Lisboa, “Breve Perfil...”, p. 29). Também enfatizando esta compulsão pela denúncia da mediania, afirmou Gaspar Simões que n’O Reino da Estupidez (1961) encontramos a “pátria (...) tão castigadamente estúpida que ainda continua a ser estúpida mesmo depois de ter adoptado por lema a inteligência” (Simões, “Jorge de Sena, O Estrangeirado”, p. 76). Os volumes d’O Reino da Estupidez contêm muitas das irritações que afligiram Sena. Uma ideia que perpassa o livro é a de que, longe de procurar “adquirir conhecimento”, a intelectualidade portuguesa expõe certezas e vive virada para dentro (O Reino da Estupidez-I, p. 59). É neste registo corrosivo que em copiosos ensaios o poeta insinua que as letras portuguesas foram tomadas por gente inculta, corrompida, que não faz justiça aos nomes do passado. A título de exemplo, a ironia serve-lhe para anunciar que, depois do desaparecimento de escribas “miseráveis” como Camões ou Sá de Miranda, irromperam em solo nacional criadores e críticos literários informados que recorrem a “métodos frutíferos”, como o “silenciosismo”, o “alusionismo”, a “cobardiometria”, a “infâmio-estílistica”, o “gato-por-lebrismo” ou o “apropriacionismo” (Idem, p. 70). Acerca do silenciosismo, explica que consiste em nunca fazer “qualquer referência, nem sequer negativa, ao nome ou à obra de qualquer indivíduo cuja atividade seja manifestamente contrária àquela harmoniosa inversão de valores em que indubitavelmente assentam a paz e a glória da República das Letras” (Idem, p. 71). Sabendo, a partir das suas cartas, que o escritor se sentia vítima do desprezo e do silêncio dos seus compatriotas, não espanta que estes textos pareçam tão autobiográficos. Analisando os seus artigos e, principalmente, as cartas enviadas a amigos como José-Augusto França, Sophia de Mello Breyner ou Vergílio Ferreira, verificamos que Sena vivia com a sensação de que “poucos escritores portugueses de relativo mérito deverão tão pouco à crítica como eu” (“Breve Perfil...”, p. 13). Da leitura das cartas sobressai a imagem de um exilado que se sente excluído do país amado. Em carta enviada a José-Augusto França, de 3 de Novembro de 1960, queixava-se Sena do silêncio de amigos e editores, dizendo que não lhe recenseavam os livros e que não recebia a atenção merecida (Correspondência Jorge de Sena..., p. 178). Em inúmeras cartas ressalta este tom amargo. Ao Padre Manuel Antunes confidenciaria que a cobardia dos portugueses o agoniava, a cobardia de não lhe atribuírem prémios literários, de o obrigarem a ter manuscritos morrendo na secretária dos editores (Antunes, “Sena, Jorge e Mécia...”, p. 175). Então, ao lermos afirmações como a de que os portugueses não reconhecem os seus grandes homens e que o país é habitado por medíocres e ingratos (O Reino da Estupidez-II, pp. 163-166), não evitamos pensar que Sena se está a incluir a si mesmo entre os grandes homens. |
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