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SENA, Jorge [Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu] | |||||||||||||
Num registo completamente diferente, Sinais de Fogo, projecto idealizado como o primeiro volume de um grande ciclo romanesco mas publicado postumamente (1979), trata do tema da Guerra Civil Espanhola e das formas como em Portugal se encarou a eclosão deste conflito. Tendo como protagonista Jorge, jovem que relata a sua adolescência em Lisboa e depois na Figueira da Foz, esta narrativa tem enorme relevância histórica, dado que nos permite ter um conhecimento aprofundado do que foi a vida estival da Figueira da Foz, localidade ligada à presença de espanhóis, os quais em 1936 eram mais refugiados do que veraneantes. Seria, no entanto, simplista dizer que este livro trata apenas das reações à eclosão do referido conflito, porque na verdade Sinais de Fogo tem diversos sentidos e retrata exemplarmente as pessoas, as mentalidades e os comportamentos da época. Trata-se, igualmente, de obra na qual Jorge de Sena, profundo conhecedor da vida espanhola – escreveu mais de quarenta artigos e ensaios sobre a literatura e cultura do país vizinho – explora estereótipos sobre os espanhóis desde há séculos disseminados em Portugal. Um dos mitos presentes no romance é o de que, contrariamente aos portugueses, melancólicos e soturnos, os espanhóis são barulhentos e festivos, esbracejam, tratam-se por “dons” e fazem-se notar onde quer que estejam (Sinais de Fogo, p. 78). Reproduzindo as percepções populares e o anedotário nacional sobre o povo do país vizinho, o autor pinta um cenário habitado por prostitutas, bailarinas e outras sensuais mulheres espanholas (Gago, “Sinais de Espanha...”, p. 278). Somos levados a acreditar que Sena quis neste romance entrar no quadro mental daqueles anos da sua juventude e oferecer ao leitor uma imagem completa da sociedade. Portanto, com realistas descrições da Guerra Civil, da vida em ditadura e do medo sentido em Portugal, e até com a exploração dos “mitos” em torno do povo espanhol, este romance ganha relevância para todos quantos se sintam impelidos a investigar sobre temas ligados à Guerra Civil Espanhola, especialmente sobre a sua relação com Portugal. Se temos dificuldade em rotular Jorge de Sena somente como poeta, ficcionista ou crítico, o motivo tem que ver com o facto de ter atingido a excelência em diferentes áreas. Conquanto esta seja razão suficiente para que o autor mereça ser lido por estudiosos ligados à história, ainda não dissemos tudo acerca do “Jorge de Sena historiador”. Da leitura de certos ensaios decorre a percepção de que, mais do que uma ferramenta que lhe serve para contextualizar trabalhos artísticos, a história emerge na sua obra como parte de uma metodologia crítica multidisciplinar que lhe permite fundamentar teses, alargar a sua compreensão e questionar conceitos (“clássico”, “simbolista”, “barroco” ou “naturalista”) e tradicionais periodizações. Afinal, Sena historiou o que de mais relevante se publicou em Portugal no que à literatura respeita, tanto em tempos antigos como modernos, e bastaria atentar nas suas análises sobre o Modernismo, o Romantismo ou o Renascimento, em textos como “Tentativa de um Panorama Coordenado da Literatura Portuguesa de 1901 a 1950” (Estudos de Literatura Portuguesa-II), ou até nas suas investigações sobre Maquiavel e Marx, para constatarmos que, através da pesquisa histórica, alcançou visões de conjunto e interligou a literatura com os modos de vida de cada época e lugar. Seguindo a premissa de que a literatura portuguesa foi em larga medida uma literatura “oficial”, herdeira de uma mentalidade feudal e oligárquica sobrevinda da Idade Média (Estudos de Literatura Portuguesa - I, p. 11), Sena adentra-se na história literária nacional motivado pela busca de inovadores sentidos de interpretação para temas que a academia portuguesa, no seu entender dada a dogmatismos e avessa ao pensamento crítico, dava como inquestionáveis. Para dar exemplos, sobre o Romantismo, “glorioso cadáver insepulto”, afirma que “defini-lo é como definir o que toda a gente julga que sabe o que são… e correr o risco de (…) nos ser demonstrado que não existe ou que é exactamente o contrário do que havia sido definido” (Idem, p. 83). Não dissociando a obra de arte do meio sócio-político e cultural em que é produzida, Sena reinterpreta tradicionais conceptualizações, e no caso específico do Romantismo defende que este movimento se manifestou tardiamente em Portugal e que, sob muitos aspectos (o “cepticismo sexual” de Garrett que se opõe ao erotismo idealizado do movimento, a ironia e realismo caricatural de Camilo, a “impessoalidade esteticista” de Júlio Diniz, contrária ao subjectivismo romântico, etc.) se assumiu como um Contra-Romantismo. |
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