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SENA, Jorge [Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu] | |||||||||||||
Raciocínio semelhante sustenta acerca do Renascimento do século XVI: quando, após uma fase de modificação das estruturas sócio-culturais, se difunde da Itália para o resto da Europa e chega a Portugal, já não falamos de Renascimento mas de Maneirismo (Idem, p. 100). Para além da redefinição de conceitos e de periodizações históricas, detectamos em ensaios, como aqueles coligidos nos volumes de Estudos de Literatura Portuguesa, uma apetência pela reinterpretação de obras como as de Oliveira Martins, Bernardim Ribeiro, Antero de Quental ou Sá de Miranda a partir dessa luz poliédrica que mergulha no saber histórico com o intuito de apreender novos sentidos e conferir rigor à teoria literária. Em “Sobre Gil Vicente”, refuta perspectivas perfilhadas por António José Saraiva, que havia destacado o carácter progressista e brechtiano de Gil Vicente, e descreve o pensamento do dramaturgo nascido no século XV como “de reacção a todo o espírito moderno” (Idem, p. 32). Com este exemplo reforçamos a tese de que Sena entendia que nenhuma obra de arte poderia ser dissociada do seu tempo, e que, para a absorver nas suas complexidades, era necessário entender as formas de pensar, a cultura, a política e as estruturas sociais que influenciaram a sua produção, em vez de fazer analogias com obras de arte e fenómenos ocorridos no presente. Então, aceitando que a história é indispensável para compreender a arte, não causa estranheza que, em ensaio intitulado “A viagem de Itália”, Sena explique as razões pelas quais as viagens realizadas por Sá de Miranda a Itália, entre 1521 e 1526, contribuíram sobremaneira para a renovação operada no século XVI na literatura portuguesa (Idem, p. 59). Jorge de Sena não escreveu apenas ensaios de interesse historiográfico. Deu também à estampa textos que, explicando a importância de estudar história quando se escreve sobre literatura, auxiliam na compreensão da sua postura enquanto crítico e historiador da literatura. Num desses textos, assinala que a limitação dos estudos literários aos factores linguísticos, sem uma integração cultural da linguagem, das personalidades e das circunstâncias histórico-biográficas, num aprofundamento filosófico e num exame histórico, não convida o estudioso à pesquisa correlata da sua própria visão do mundo e concepção da história com as implícitas na obra de um autor em estudo (Dialécticas Teóricas, p. 27). Em “Sobre o Perspectivismo Histórico-Literário”, ensaio que é simultaneamente uma apologia da história e uma crítica aos investigadores que se dedicam ao entendimento do presente, ignorando o passado, argumenta que o homem que se confina ao presente e volta as costas ao passado sucumbe às falácias que o passado legou ao presente e, por conseguinte, “provincianamente” acredita que a sua aldeia é o mundo inteiro (Idem, p. 205). Refere ainda que a historiografia literária do século anterior, desprovida de uma visão do passado, abraçou metodologias e critérios evolucionistas e, consequentemente, fixou-se em simplistas periodizações e datou rigidamente movimentos ou escolas literárias muitas vezes contemporâneas umas das outras (Idem, p. 206). Para além da errada periodização e catalogação de autores, diz Sena que essa tal crítica literária destituída de visão histórica persistiu em engrandecer os vultos literários, relegando ao esquecimento artistas de talento, e em integrar autores em diferentes géneros literários, quando esses mesmos autores cultivaram vários géneros. Esta defesa da perspectiva histórico-literária serve-nos, aliás, de pretexto para sintetizar algumas das razões que nos levam a crer que Sena perfilhou convicções que à historiografia são familiares. Em primeiro lugar, acreditava que só no conjunto de todas as suas manifestações poderia uma época ser compreendida. Depois, recusava-se a simplificar o passado, ou a encará-lo como menos complexo do que o presente, e a ver as “escolas” artísticas como individuações separadas. Finalmente, rejeitava que a história ensinasse a viver o presente (Idem, p. 210). Assim, concluímos dizendo que a obra ensaística, poética e ficcional de Jorge de Sena é de enorme pertinência para a historiografia, e que é mais do que é apropriado considerar esta figura maior das letras portuguesas um historiador da literatura e da cultura que deverá ser estudado por todos quantos desejem perceber como a arte, e mais particularmente a literatura, evoluiu (e se relacionou com as conjunturas político-sociais) em Portugal e na Europa ao longo dos séculos. |
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