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SENA, Jorge [Cândido Alves Rodrigues Telles Grilo Raposo de Abreu] | |||||||||||||
Quando nos propomos a analisar Jorge de Sena do ponto de vista historiográfico, sabendo que o autor não escreveu trabalhos centrados nesse campo científico, temos de perceber em que proporções a sua vida e obra contribuem para a interpretação da história portuguesa. Desse ponto de vista, livros e cartas como as citadas levam-nos a constatar que, independentemente do género literário ou do tema tratado, o pano de fundo da obra seniana é a análise das maneiras de ser do povo que amou e odiou. Contudo, pelo que referimos anteriormente, fica claro que, apesar do fascínio pelo destino português num contexto cultural, Jorge de Sena evita cair em patriotismos ou caracterizações psicológicas elogiosas. Poderíamos até afirmar que a sua obra é uma “procurada atenção contra os mitos culturais estabelecidos” (O Essencial Sobre..., p. 58). É precisamente essa atenção contra os mitos estabelecidos que encontramos em O Indesejado (António, Rei) (1951), tragédia histórica em verso na qual sobressai a negação do misticismo sebastianista por via da caracterização do agónico destino de D. António, o Prior do Crato (1531-1595), filho do infante D. Luís e candidato à sucessão de D. Sebastião. Ao apresentar D. António como figura indecisa e receosa que em vão busca o reconhecimento dos seus compatriotas para salvar o reino da dependência dos Filipes, Sena faz-nos crer que, despojada de engrandecimentos patrióticos, esta incursão histórica não destoa daquele registo pessimista com que noutros escritos definiu o panorama cultural português. Afinal, sendo um homem cujo destino é definido pela condição de ser bastardo e temeroso, D. António não pode ascender a herói. Paralelamente à produção teatral, a obra ficcional de Jorge de Sena permite-nos alcançar uma dimensão mais aprofundada das suas perspectivas históricas. Referiu-se acima o apego do poeta a valores igualitários e democráticos, e a uma quase existencialista obsessão pela liberdade. Dado que este vocábulo tem vários sentidos, e não se restringe à liberdade individual, mas à capacidade de cada sociedade para viver de acordo com as suas potencialidades e de procurar abundância material e equidade, talvez seja apropriado salientar que a preocupação de Sena com a liberdade está associada à vontade de estudar o homem na sua essência. No fundo, se quiséssemos converter a frase anterior em questões, que significa estar no mundo? Qual a missão do homem para consigo mesmo e para com os outros? O conto “Defesa e Justificação de um Ex-Criminoso de Guerra”, incluído em Novas Andanças do Demónio (1966), é importante para apreender o pensamento de Jorge de Sena. Embora a inspiração seja o julgamento de Adolf Eichmann, neste conto não encontramos menções directas aos crimes do oficial nazi ou a massacres em campos de concentração. O que o escritor nos serve são as suas reflexões sobre a condição humana. Sena segue uma linha de pensamento explorada em “Maquiavel e O Príncipe” para defender que, arredado da proteção divina e sendo a única medida de si próprio, para o bem e para o mal, o homem está entregue a si mesmo e é responsável por todas as suas acções (Maquiavel e Outros Estudos, p. 48). Porém, este ex-criminoso de guerra não segue qualquer ideal humanista, antes se baseia na “ética germânica”, na convicção de que, com esforço e planeamento, certos povos conseguirão sobreviver e conquistar civilizações rivais. Por esse motivo, a mentalidade nazi e as crenças no determinismo biológico e na superioridade racial contrariam essa fé no homem que nos responsabiliza pelo que fazemos (Monteiro, “Jorge de Sena’s “Eichmann Story”, p. 13). Mais do que inspirar-nos a sentir repugnância pelo nazismo, Sena procura entender a mente de alguém que, como observou a filósofa Hannah Arendt em Eichmann in Jerusalem (1963), acreditava na lei superior doFührer. O que temos então neste conto é uma perspectiva de liberdade que contrasta com a do próprio autor, que era, como afirmámos, uma liberdade democrática, de responsabilização total dos indivíduos no tocante à intromissão no espaço alheio (O Reino da Estupidez-I, p. 134). |
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