Na empreitada de «salvação nacional», havia que corrigir e combater a historiografia romântica e liberal; a nova ordem reclamava, também no capítulo da produção e reprodução de memórias, o elenco que justificasse e ilustrasse a politique d´ abord, a submissão do saber histórico às solicitações das lutas políticas.

Reconhecendo em Herculano um dos grandes historiadores portugueses, AS não o inocenta todavia de uma investigação culposa, “tão depressa deixava manifestar-se a sua mentalidade sectária, logo se estabelecia entre o historiador e os factos o conflito, de que é testemunho evidente a História da Inquisição, composta para bater a reação, como o próprio Herculano sinceramente o confessa”. O problema é que os “métodos científicos ou objetivos da História não se casam, por condição própria, com os panegíricos enfartados dos antigos tempos” e daí que ao “hiperbolismo patriótico” se tivesse seguido uma fase na qual “se substituiu um princípio sistemático de livre-crítica que fez da História um motivo de guerra civil permanente” (De Vita et Moribus, 152-53). Conflito do qual não ilibava nem Herculano nem Oliveira Martins que noutras vertentes (municipalismo, organicismo) aplaudia. Ora, se o programa teórico se alicerçava na soreliana desconstrução da mitografia democrática e na crença comtiana da perfectibilidade do futuro em nome da sociocracia, e da restrita cientificação dos saberes sociais, o método positivo, melhor, a metodologia da escola francesa de Langlois e Seignobos, estaria eivada de “hirta e estéril objetividade”, fruto do “estreito materialismo em que a Inteligência decaiu e se sepultou no século passado” («Questões de história», cit., 230-31).

A metodologia positivista não lograria alcançar assim o sentido íntimo da história, subjetivismo que prognostica e retrospetiva. Só o intérprete da ciência nacionalista o poderia realizar, investido das vestes do sacerdote de uma anamnesis filosófica, não só para recuperar as memórias possíveis da facticidade, mas para lhe perscrutar as verdades eternas e transpessoais. A historiosofia integralista da qual AS é o mais evidente teorizador, situa-se por esta via no limiar de uma gnose mística na qual céu e terra se comunicam, seguindo a usada lição tomista, na participação da unidade maior da criação divina, em cuja leitura a sacralização do munus intelectual se tenta justificar (Archer, 1993;75). O que quer dizer que teve de outorgar ao estatuto epistémico do historiador nacionalista o de legatário de uma tradição interpretativa que não apenas excluía todas as outras como reivindicava o lugar da verdade unívoca para uma visão heteronímica da história. E daí, por exemplo, o esforço de reabilitação do Santo Ofício e do Tribunal da Inquisição como instâncias que visariam assegurar a preservação da nação do «estrangeirismo» moderno e a cosmovisão casticista da velha ordem social.

1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | (Pdf)