Reaproveitando do tomismo o conceito de corpo místico e da visão ecuménica da Igreja, AS reexaminou esses materiais para matizar uma visão histórica orgânica e corporativa, contra as conspecções conflitualistas e contra o atomismo demoliberal. A concepção tradicionalista e holista de «povo», «grei», acaba por estar no fulcro desta visão teleológica da história nacional, remetendo para um espaço de totalidade que rematava o próprio discurso ideológico, como momento constitutivo mais relevante.

Senão, atente-se no plano de correção da história de Portugal e no método que o servia: tornava-se imperioso invalidar as duas concepções historiográficas que teriam minado a visão tradicionalista e católica da história, “a que torna a história dependente da ação de um minoria restrita (reis, nobres, sacerdotes) e a que a torna o produto espontâneo duma instintiva massa acéfala. Sem que pratiquemos, por cómoda solução mental, o ecletismo, há que assentar, pelo menos em relação à história portuguesa, que reis, bispos, nobres e povo, propriamente dito, constituem um bloco homogéneo, donde ela jorra, conduzida por directrizes que reside na alma comum, embora aos dirigentes caiba precisá-las e fazê-las executar. Acabamos assim, e irrevogavelmente, tanto com o conceito democrático, tanto com o conceito aristocrático de história. (…) Pois a Grei entrega-nos a chave do problema. Porque em Portugal não houve, realmente duas raças distintas – uma vencedora e outra vencida –, a unidade da nossa história é transparente como água pura. Essa unidade resulta da moldagem em que a alma coletiva se afeiçoou e estabilizou. Sem dúvida que foi a moldagem religiosa” (póstumo, «Os Gamas», NP, V, t. I, n.º 1, pp. 12-13).

«Sujeito coletivo», o povo, é pois a entificação de uma consciência nacional. E daí a «demonstração», tão cara ao discurso historiográfico da ditadura, da colaboração de interesses e de classes na consecução dos grandes projetos nacionais, “bem provado e bem assente que tanto na dinastia afonsina, como na de Avis, o povo, a nobreza e o rei colaboraram, como um único todo, na condução histórica de Portugal. No dia em que se conheça nos seus meandros e dinâmica íntima a formação e desenvolvimento da família em Portugal não será mais possível para a gente de fé sincera e clara perceção o envenenamento intelectual com que a nossa jacobinocracia perverte a compreensão do nosso passado, quebrando assim aqueles elos e aquelas raízes, sem cujo respeito não existe consciência nacional” (ibid., p. 17).

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