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Soares, Mário Alberto Nobre Lopes | |||||||||||||
Mário Soares tinha ainda uma certa tendência para destacar (por vezes, até exaltar) traços característicos do povo português, como se se tratasse de aspectos naturais evidenciados pelas experiências históricas. A propósito dos Descobrimentos, chega a descrever os portugueses como sendo, em vários momentos do passado, “singularmente tolerantes, sensíveis ao direito à diferença, culturalmente humanistas”, transpondo, com manifestações de orgulho, tais valores para o tempo presente (Soares, “Um testemunho perene”, 1988, p. 279). Admite-se também a existência de uma tradição democrática “desde os alvores da nacionalidade”, ou seja, desde o século XII – aspecto presente na historiografia liberal e republicana dos séculos XIX e XX, sendo apontado, por exemplo, por Jaime Cortesão. Mas alguns desvios dessa realidade haviam marcado a história portuguesa, como se se tratasse de oscilações históricas: os suplícios da Inquisição ou até mesmo o Estado Novo. Porém, essa mesma tradição só seria reencontrada plenamente a partir de 1974, como que normalizada institucionalmente por intermédio da democracia (Soares, “Um povo com vocação universalista”, 1990, pp. 175-6). Os Descobrimentos teriam sido “o facto capital da história portuguesa” através dos quais se operaram mudanças estruturais no mundo. Os homens de civilizações extra-europeias contactaram com noções e dinâmicas culturais que vigoravam então em Portugal (embora Soares inclua nessas noções conceitos como “raça” e “pátria”), propugnadas por uma gesta colectiva portuguesa. Noutros termos, seria um povo que exprimia assim “a sua identidade e cumprindo a sua plena vocação nacional” (Soares, “Uma aventura que mudou a face da Terra”, 1988, pp. 166-67). Trata-se da afirmação de um legado histórico que impunha uma certa responsabilidade para com as nações que entretanto saíram do Império, e que, adaptada aos tempos contemporâneos de Mário Soares, implicava uma conotação prospectiva – e igualmente política, atendendo ao teor do discurso e a propósito de certas comemorações/efemérides. Esta visão encontra-se plasmada, por exemplo, nas relações luso-brasileiras, cujas finalidades políticas assentam (embora parcialmente) num aspecto histórico. Soares refere que, não obstante uma “escolha europeia” adoptada por Portugal, existe uma “vocação marítima e atlântica” que pressupõe um estreitamento de laços com o Brasil – tanto históricos como contemporâneos –, como se essa ligação fundamentasse uma cooperação entre os dois países nessa óptica prospectiva (ibidem, “Uma afirmação do espírito moderno”, pp. 175-77). Vê-se ainda o enquadramento português numa Europa interligada ao resto do mundo através dos Descobrimentos – “um dos grandes feitos da história humana – e naturalmente um motivo de orgulho nacional para os portugueses” – , que teria levado o “espírito europeu” aos demais cantos do mundo (Soares, “Europa da Cultura”, 1989, p. 239). É claro que não deixam de ser ideias e diálogos políticos expressos através da história, associados às conjunturas da época e à política internacional, mas nota-se um certo esforço em ir além disso. |
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