Academia Real das Ciências de Lisboa I 1779-1820 | 1820-1851
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Um segundo núcleo central da actividade da ACL no domínio da história, ao longo do período 1779-1820 aqui considerado, diz respeito ao trabalho de compilação, publicação e reedição de fontes inéditas. Em lugar de destaque, refira-se a Colecção de Livros Inéditos de História Portuguesa, publicada em 5 volumes entre 1790 e 1824. O mentor e impulsionador desta iniciativa foi também o secretário da Academia, José Correia da Serra, que assina um importante prólogo no qual fixa as principais linhas de força que balizam a reflexão historiográfica da ACL, como veremos mais adiante. A Colecção inclui, entre outros materiais inéditos, o Livro da Guerra de Ceuta por Mateus Pisano e diversas crónicas de reis portugueses por Rui de Pina (D. Duarte, D. Afonso V e D. João II), Fernão Lopes (D. Pedro I e D. Fernando) e Cristóvão Rodrigues Acenheiro. A publicação da Crónica dos Reis de Portugal de Acenheiro viria mais tarde a merecer a fúria implacável de Alexandre Herculano, o que mostra que a selecção de obras publicadas com a chancela da ACL era susceptível de polémica e controvérsia.
Alexandre Herculano viria também a questionar e combater severamente a legitimidade e veracidade de mitos e lendas expostos na Monarquia Lusitana, uma das obras mais emblemáticas da historiografia portuguesa da era moderna, parcialmente reimpressa pela Academia em 1806. Publicada com o novo título de Colecção dos Principais Autores da História Portuguesa, esta nova edição abrange as três primeiras partes da Monarquia Lusitana, até ao final do reinado de D. Afonso Henriques, sendo as duas primeiras de autoria de Frei Bernardo de Brito e a terceira de Frei António Brandão. No prólogo à nova edição da ACL, D. António da Visitação Freire faz uma apresentação da vida e obra de Fr. Bernardo de Brito, explicando o contexto da produção da Monarquia Lusitana no final do século XVI e dando conta das imprecisões de análise e falsificações de documentos, pouco lisonjeiras da probidade dos monges cistercienses. Especial atenção é dada à inexistência de provas documentais que sustentassem a veracidade do milagre de Ourique. Assim, muito antes da crítica que Herculano dedicou ao assunto, a reedição de 1806 procurava manter distância interpretativa no que se refere a acontecimentos não fundamentados por fontes documentais verídicas, ao mesmo tempo que alimentava um processo de reconstrução histórica a que não era alheia a vontade de enaltecer virtudes sustentadas na história mais longínqua da nação portuguesa. Não foi certamente por acaso que no ano (1806) em que as ameaças à integridade do território pelo eixo franco-espanhol eram patentes, a ACL fazia sair dos prelos uma obra que afirmava a longevidade e perenidade da monarquia lusitana.