Academia Real das Ciências de Lisboa I 1779-1820 | 1820-1851
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Segundo Correia da Serra, a especificidade do objecto de estudo da história não permite a experimentação, nem a repetição de observações, impondo exigências acrescidas ao raciocínio arguto. Por isso são tão importantes os vestígios de narrativas e monumentos, donde decorre a necessidade da preservação de fontes primárias. Os riscos interpretativos, as falsas representações e os abusos hermenêuticos obrigavam a dar especial atenção aos registos genuínos de acontecimentos que fazem a história, conforme transparece na seguinte passagem: “Quando saírem do pó estas testemunhas, e um grande número de factos incógnitos vir a luz do dia, quando o trabalho, a paciência, o espírito de crítica, e de discurso tiverem combinado estes materiais, e deduzido a exacta notícia dos pontos que nos interessa conhecer, (porque nem tudo o que aconteceu é digno de ser História, ainda que tudo pode servir para ilustrá-la) então é que poderemos sem jactância persuadir-nos de saber o que Portugal tem sido. Então, e só então, uma pena guiada pela razão, e pelo bom gosto, poderá expor à nossa vista a complicada série das acções passadas, e explicar-nos com certeza, as causas que as motivaram, e os efeitos que delas se seguiram, de modo que a nós sejam de proveito, e à posteridade de ensino” (ibid, pp. ix-x).
Nas palavras de Correia da Serra a história surge como elemento indispensável à formação do conhecimento ilustrado, comungando e partilhando traços e trajectórias de outros discursos científicos. A constituição do arquivo e da memória, o registo e a preservação das fontes, as reconstruções interpretativas da história, correspondem a procedimentos de pesquisa onde se relevam protocolos e instruções de observação e descrição que confirmam a importância de métodos empíricos. À semelhança das regras fixadas pela ACL aos cientistas naturais que procediam a recolhas de amostras e objectos para a constituição de colecções museológicas, também os membros da comissão encarregada de visitar os cartórios e bibliotecas do reino deveriam “receber da Secretaria da Academia, antes que comecem seu trabalho, uma lente de aumentar, e quantidade de espírito conveniente para avivar as letras dos manuscritos que o tempo houver apagado” (Carta de Joaquim José Ferreira Gordo a José Correia da Serra, Julho de 1789, in A. Baião, A Infância da Academia, 1934, p. 126).