Sociedade Portuguesa de História da Civilização 1947-1953?
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Não obstante este fundo oposicionista que atravessa os percursos da larga maioria dos nomes associados à SPHC, é notória na documentação conhecida extrema cautela em dissociar a actividade política dos seus membros com os fins da instituição. Numa carta que Fernando Pinto Loureiro enviou, em Novembro de 1947, a Borges de Macedo, secretário da SPHC, sugeriu a substituição da palavra “cívica” pela de “científica” no projecto de estatutos, uma vez que inclusão da primeira “poderia tornar-se uma arma para, no futuro, serem proibidos os trabalhos da “Sociedade” com fundamento, aparentemente jurídico, em faltar idoneidade cívica de alguns dos seus membros”.
Também viria a fazer parte da SPHC Manuel Heleno, o único representante das instituições universitárias portuguesas. Professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, devia a sua presença na SPHC às boas relações que tinha na época com Magalhães Godinho – fôra ele que o convidara para leccionar nessa faculdade e o único membro do Conselho Escolar que, segundo o próprio, votara a favor da sua continuidade em 1944 (Godinho, A expansão quatrocentista…, 2008, p. 10). Por outro lado, com a presença de Manuel Heleno pretendia-se dar uma garantia às autoridades da seriedade científica do projecto. Não por acaso, tinha-lhe sido atribuído o honorífico cargo de presidente da assembleia-geral da SPHC. Com as atribuladas saídas de Magalhães Godinho e António José Saraiva da FLUL uns anos antes e com vários dos sócios fundadores com conhecida actividade oposicionista, pelo menos ao nível cultural, a presença de um professor catedrático tinha esse objectivo estratégico perante a necessidade de legalizar a SPHC.
Nesse sentido, podem também ser interpretadas, embora sem menosprezar o reconhecimento das suas capacidades científicas e adequação aos propósitos da SPHC, os contactos com os já referidos investigadores brasileiros. Há por isso que notar que tanto Pedro Calmon como Gilberto Freire eram então membros da Academia Portuguesa da História, instituição criada pelo Estado Novo em 1936. No caso de Gilberto Freire, o seu prestígio intelectual ultrapassava largamente as fronteiras brasileiras e portuguesas. A pertinência da sua presença na SPHC é atestada pelo elogioso prefácio que Lucien Febvre escreveu à primeira edição francesa de Casa-grande e Senzala, de 1952. Só posteriormente ao convite da SPHC, nos anos 50 e 60, é que a obra de Gilberto Freire viria a ser política e ideologicamente instrumentalizada pelo Estado Novo no contexto da emergente descolonização nos continentes africano e asiático, aproveitamento esse que procurava salientar um conjunto de especificidades da presença ultramarina portuguesa ao longo da história com vista a legitimar a continuidade da situação colonial.