Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
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Com publicação ininterrupta entre 1942 e 1986 (a nova série só foi retomada dois anos depois, prolongando-se até ao presente), a Vértice ocupou um lugar de relevo na cultura portuguesa do século XX. Para além da longevidade assinável para uma revista com as suas características, talvez só comparável neste aspecto à Seara Nova, essa relevância justifica-se também por se ter afirmado como um dos principais espaços de resistência cultural ao Estado Novo, onde se desenvolveram trajectos, por vezes diversos e conflituosos, que exprimiram sobretudo mundividências de inspiração marxista e de um geral ímpeto renovador no campo cultural. A sua importância reside ainda nos diferentes domínios do saber que contemplou nas suas páginas: literatura, crítica cinematográfica e teatral, artes plásticas, música, economia, história, entre outros assuntos glosados por alguns dos mais destacados intelectuais da época.
Os primeiros anos da revista coimbrã não deixavam antever a longevidade e importância que veio a ter. Entre 1942 e 1944 foram apenas publicados três números num contexto de extremas dificuldades financeiras e de indefinição face ao futuro imediato da publicação. E se é verdade que essas dificuldades se mantiveram ao longo da sua existência, a partir de 1945 a Vértice seguiu um novo rumo. Tinha entretanto sido adquirida por um conjunto de jovens intelectuais ligados ao neo-realismo (Arquimedes Silva Santos, Carlos de Oliveira, João José Cochofel, Rui Feijó e Joaquim Namorado) que lhe imprimiram uma nova vitalidade, desde logo evidente nos primeiros editoriais que definiam as novas directrizes. Após a suspensão de várias revistas culturais com significativa presença do ideário marxista no início dos anos quarenta, a iniciativa deste grupo dava resposta às preocupações do sector intelectual do PCP de Coimbra que notava a ausência de uma tribuna onde pudessem transmitir as suas ideias (Luís Andrade, Intelectuais, Utopia e Comunismo, 2010, pp. 160-1).
Com o final da II Guerra Mundial, a Vértice assumiu um projecto de renovação cultural que pretendia contribuir para a identificação, estudo e transformação dos problemas concretos do país e do seu povo. Daí que, mais do que revista de arte e cultura, a Vértice pretendeu afirmar-se como revista de “cultura útil”, na qual a teoria se deveria aliar à prática e o estudo à acção. Era com este intuito que intelectuais de “espírito progressivo” deveriam contribuir nas páginas da revista. Encontra-se, desde logo, uma tentativa de demarcação face a outros entendimentos de cultura, nomeadamente de uma cultura estritamente livresca, de “comodismo de gabinete”, de uma cultura de abstracção e alheamento perante os problemas sociais (n.os 17-21, Nov. 1945, 69-71).