Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
3 / 11
Luís de Albuquerque, então muito interessado na história do ensino, dedicou, em 1947, dois artigos a Verney e José Anastácio da Cunha, exemplos de resistência cultural e de espírito progressivo num Portugal dominado pelo conservadorismo e pelas ideias retrógradas nas suas instituições de ensino. Com a evocação de grandes figuras da cultura portuguesa do passado, muitas das vezes em contextos comemorativos, pretendia-se legitimar retrospectivamente a imagem do intelectual interventivo e progressivo, dedicado à resolução dos problemas do povo português. Essa imagem heroica do intelectual é-nos também dada, por exemplo, num artigo que Armando Bacelar, sob o pseudónimo de Inês Gouveia, dedicou a Leonor da Fonseca Pimentel. Nascida em Roma mas sem nunca perder “o interesse pelas coisas da sua pátria de origem”, tinha frequentado a corte de Nápoles e fora uma acérrima defensora da necessidade de apostar na educação popular. Apanhada na conturbada situação política desse reino no final do século XVIII, fora condenada à forca por traição à monarquia bourbónica. Antes de morrer, “a sua última saudação foi para o povo” (n.º 141, Jun. 1955, 348-52).
Não obstante, nem por isso era concedida às grandes personalidades culturais do passado especial relevância no destino histórico nacional. Esse papel foi muitas vezes destinado ao povo enquanto herói colectivo. Difunde-se em vários artigos a ideia de que “nas grandes crises da nacionalidade foi sempre o povo quem manifestou maior consciência nacional” (n.os 22-26, Fev. 1946, 1). A nação e a sua independência eram apresentadas como obra do povo português, ao mesmo tempo que à nobreza e ao clero era frequentemente apontada a traição da consciência e independência nacionais em prol dos seus próprios interesses de classe, ideia perfilhada por Fernando Pinto Loureiro, Rui Feijó, Joaquim Namorado, entre outros. Entende-se, assim, a escolha de certos momentos-chave da história de Portugal (1383-85, 1640, invasões napoleónicas, entre outros) onde a resistência do povo, a libertação da dominação estrangeira e a traição das classes privilegiadas se afiguravam como centrais na narrativa nacionalista e popular que pretendiam difundir.