Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
8 / 11
Embora sem o referir, Joel Serrão visava algumas interpretações feitas por Piteira Santos e Manuel Mendes precisamente sobre Antero. Na sua mordaz resposta, Piteira Santos rejeitava qualquer acusação de anacronismo na sua interpretação, pois “a noção de seriedade, a noção de coerência, a noção de honra, não eram sensìvelmente diferentes das do nosso tempo. E já então era costume, e dever, honrar os compromissos políticos” (n.º 98, Out. 1951, 516). Pretendia, “sem violentarmos a História-ciência”, demarcar-se da perspectiva “cientificamente conduzida” de Joel Serrão. Ao invés, era o exemplo e a validade actual de Antero que lhe interessava, acusando Joel Serrão de não ter compreendido “o verdadeiro sentido do debate em que, por mero dever cívico, andamos empenhados”. Esse dever cívico passava pela afirmação do modelo de intelectual interventivo, como a seguinte condenação do exemplo de duas das proeminentes figuras da cultura portuguesa do século XIX deixa transparecer: “nem azeiteiros em Vale de Lobos, nem suicidas numa ilha de bruma: nem fugitivos nem derrotados; as cousas e os homens desta terra lusitana merecem mais alguma coisa”. Piteira Santos recuperava aqui uma ideia de Raul Proença que, recorrendo às mesmas imagens, notava a ausência entre nós de um “herói”, de “um grande mestre de acção moral” (cit. por Joel Serrão, “Aproximação do pensamento de Raul Proença”, 1971, 26).
De qualquer forma, esta separação entre as vertentes cívica e científica não deve ser sobrevalorizada. Nas páginas da Vértice, Piteira Santos também associava ao seu tempo a emergência da história-ciência, superando a história artística e ética do passado (n.º 50, Set. 1947, 356-66). Já nos anos 90, em resposta a um artigo no qual Borges de Macedo criticava a historiografia marxista (Jornal de Letras, 9 e 12 Jun. 1992) punha sobretudo em relevo, sem negar o comprometimento ideológico, a tarefa de “construir uma história de rigor científico” (JL, nº. 524, 21-27 Jun. 1992, 6-7). Também Joel Serrão insistentemente viria a lembrar a condição cívica do historiador, a sua irredutível condição de homens do tempo presente (“Brevíssima reflexão preambular sobre historiografia…”, 1982, 9-23). Unia-os também uma mesma experiência do tempo, de cariz prospectivo, e no qual o presente e futuro se assumiam com centrais na construção histórica. Daí que ambos se tenham também distanciado de um eruditismo sem interpretação nem problematização que o ligasse ao presente, bem como de um revisionismo que lhes parecia a restauração do passado no presente.