Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
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Logo num dos primeiros editoriais da “nova” Vértice, a história foi evocada com o intuito de fundamentar e legitimar este projecto cultural. Veiculava-se aí a imagem de um passado nacional fracturado por uma contradição fundamental entre o Portugal “progressista” e o “obscurantista”. A estas duas tradições não estavam apenas associadas determinadas personalidades da história portuguesa mas também diferentes tempos históricos. Readaptava-se a teoria da decadência esboçada já no século XIX, segundo a qual, após o tempo áureo dos Descobrimentos, Portugal tinha entrado num longo período de obscurantismo a partir da segunda metade do século XVI, só contrariado pela recuperação na “fase heroica do liberalismo”. Ainda no século XIX, tinha-se instalado um novo ciclo de “estagnação”, que nem a República conseguira alterar (n.os 30-35, Mai. 1946, 81-85).
Através de uma história de intuitos pedagógicos e cívicos, a Vértice assumia essa missão de recuperação da “gloriosa tradição” progressista, tal como reiterava alguns anos depois Piteira Santos: “nós, que descobrimos a pátria na sua autenticidade histórica e popular, temos o dever de ressuscitar as nobres e progressivas tradições da grei” (n.os 56-57, Abr. – Mai. 1948, 372). Tal como no presente então vivido, o passado nacional era apresentado como resultado de uma escolha que era preciso fazer entre o progresso e o obscurantismo. A propósito do centenário do 1848 em França, Borges de Macedo reflectia precisamente sobre a construção da memória histórica, reconhecendo que “é na atmosfera de um certo «presente» que se escolhe um certo «passado» para comemorar” (n.os 56-57, Abr. – Mai. 1948, 326-7). Num tempo em que o comemorativismo histórico era utilizado a favor da celebração do próprio regime, vai-se desenhando na imprensa oposicionista uma resposta a essa memória histórica hegemónica. Ainda nas palavras de Borges de Macedo, “não há uma só tradição, o passado não é igual para todos, como o não é o presente”.
Ao longo das páginas da Vértice foram vários os artigos que exprimiram esse uso pedagógico e cívico da história, no qual os elementos “progressivos” e “populares” da história nacional se articulavam. Apesar da recorrente crítica ao papel que era atribuído aos “grandes homens” na história, estes não deixaram de ser apresentados como exemplos ou personificações das aspirações colectivas do povo português.