Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
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No que respeita ao problema central aí levantado, a divergência encontrava-se latente desde 1947, muito embora se tivesse o cuidado de não referir especificamente os nomes que sustentavam as diferentes opiniões. Essa cautela deixa de fazer sentido alguns anos depois, já num contexto de aberta polémica entre colaboradores da Vértice, nomeadamente aquela que opôs sobretudo João José Cochofel e António José Saraiva na primeira metade da década de 50, conhecida como a polémica interna do neo-realismo.
Em 1947, alguns artigos vinham denunciando o espírito retórico que se encontrava presente nos jovens intelectuais progressistas. Rui Feijó, apoiando as ideias de um artigo publicado na Seara Nova por Rui Grácio, criticava essa “retórica do concreto”, que repetia “a necessidade do estudo concreto, mas só falando dele como necessidade sem, concretamente, lhe darem realização” (n.º 43, Jan. 1947, 230). No mesmo sentido, alguns meses depois, também Joel Serrão manifestava a mesma preocupação quando questionava: “vamos, de facto, estudar os nossos problemas? Ou julgaremos, antes, que a realidade nacional se transformará ao toque mágico da varinha de condão da nossa boa ou má retórica?” (n.º 50, Set. 1947, 353-5). Na resposta a estas posições, num artigo intitulado precisamente “A retórica do concreto e outras retóricas”, Piteira Santos valorizava “a atitude como atitude”, ou seja, mesmo que as ideias não se concretizassem num conhecimento mais profundo e numa reforma efectiva da sociedade, nem por isso deixavam de ser reais e consequentes: “as ideias dos homens ganham homens para as ideias” (n.º 55, Março 1948, 236-7).
Esta divergência ganha uma dimensão historiográfica na polémica de 1951-1952. Num artigo publicado na Seara Nova (nos 1226-7) sobre “a compreensão de Antero”, Joel Serrão dava continuidade ao seu projecto de investigação sobre o oitocentismo português, muito marcado pela história das mentalidades dos Annales, que defendiam, sobretudo Lucien Febvre, a necessidade de encarar determinada época como uma totalidade em si mesma, possuidora de uma mentalidade própria, diferente da do tempo presente. Joel Serrão pretendia aplicar esse princípio ao estudo da época contemporânea portuguesa, precavendo com frequência os seus leitores dos perigos do anacronismo, especialmente sobre uma época tão próxima do presente. Alertava para o risco de se considerar Antero “nosso contemporâneo”, menosprezando-se todo o estudo cientificamente conduzido da mentalidade do homem de oitocentos, diferente, sob diversos aspectos, da mentalidade dos homens de 1950.