Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
4 / 11
Esta concepção de herói colectivo representa, mais do que uma ruptura, a persistência de uma ideia voluntarista do devir histórico. Mário Braga adoptou-a para compreender a razão dos diferentes desfechos em 1383 e 1580. Essa diferença não estava na ideia de nacionalidade, no papel da nobreza, em causas económicas, nem tão-pouco na diferente relação de forças militares nessas duas datas: “apenas uma análise da actuação do povo, num e noutro dos momentos, nos habilitará a formular uma resposta” (n.º 80, Abr. 1950, 197-205).
Noutro sentido, o projecto cultural da Vértice contribuiu para a afirmação de concepções de história que se assumiram como científicas e que se associavam às ideias de rigor, verdade e objectividade no estudo do passado. Fruto da influência das ideias marxistas e dos Annales, a contingência e a iniciativa humana tenderam a ser relativizadas ou, numa perspectiva mais determinista, suprimidas nas interpretações historiográficas. Foi o caso de António José Saraiva que, numa crítica ao idealismo de António Sérgio, punha definitivamente em causa qualquer ideia voluntarista no estudo do passado: “O sujeito determina-se na medida em que conhecemos o objecto. Tudo se reduz portanto a conhecer o objecto”. A ênfase no cariz materialista do devir histórico pretendia aproximar a história dos métodos e objectivos científicos: desde que se retirasse da construção historiográfica a “nossa consciência subjectiva”, poder-se-ia atribuir ao homem “um comportamento previsível, redutível à estatística”. (n.º 81, Mai. 1950, 279-288).
Noutro artigo, significativamente intitulado “Determinismo e história”, António José Saraiva aprofundava essa ideia ao afirmar que “explicar os fenómenos sociais, introduzir neles o pressuposto da previsibilidade, é afinal reduzi-la às leis do determinismo da matéria”. Nesse sentido, o conhecimento histórico não possibilitava apenas a identificação diacrónica dos problemas estruturais das sociedades mas igualmente a sua transformação futura, mediante a capacidade dos historiadores desvendarem as “leis” que condicionavam a acção humana, constituindo, por isso, “um instrumento de aceleração do progresso” (n.os 99-101, Nov.-Jan. 1951-2, 572-3).