Vértice, revista de cultura e arte, Coimbra, 1942-
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As recensões foram igualmente um instrumento de demarcação relativamente a outras formas de escrever história, nomeadamente da história erudita – um “bom arquivo de factos”, como Alberto Ferreira caracterizava uma obra do pe. Mário Martins (n.º 172, Jan. 1958, 64) – ou dos “amadores de Clio” que não cumpriam uma série de requisitos prévios que caracterizavam a “profissão de historiador”, como lamentava Joel Serrão numa dessas recensões (n.º 95, Jul. 1951, 383-4). Dessa demarcação resultava a criação de uma noção, mais ou menos precisa, de identidade historiográfica, de uma “comunidade científica” de historiadores.
De facto, muitas das recensões críticas na Vértice foram realizadas sobre obras de outros colaboradores. Numa recensão de Armando Castro à Situação Económica no Tempo de Pombal de Borges de Macedo – obra também analisada na Vértice por Joel Serrão – é-nos transmitida a ideia de “uma escassa meia dúzia de autores” que, “sem o apoio de academias ou universidades”, ia trabalhando no sentido de reduzir o abismo que separava as realizações concretas do “reconhecimento da verdadeira orientação científica” (n.º 107, Jul. 1952, 378). Essa construção identitária seria aprofundada três anos depois numa conferência que Magalhães Godinho proferiu em São Paulo (Ensaios, vol. III, 241-2) e à qual Rui Feijó deu destaque na Vértice no âmbito de uma série de recensões sobre a Revista de História de São Paulo e os Annales (n.º 86, Out. 1950, 263-4). Como tem sido salientado, existia uma estreita afinidade, em vários colaboradores da Vértice, entre as ideias marxistas e dos Annales, mas existia também algum distanciamento, como Armando de Castro (n.º 220, Jan. 1962, 59-62) e Vital Moreira faziam notar em relação a “certa tendência [nos Annales] para tratar os preços como variável independente com lógica própria” (n.os 334-5, Nov.-Dez. 1971, 912).
Ao contrário do que se passava na Seara Nova, foram muito poucas as polémicas que versaram sobre problemas de história na Vértice. Ainda assim, destaque-se a que ocorreu no início dos anos 50 entre Joel Serrão e Piteira Santos a propósito de Antero de Quental, dando, aliás, continuidade às polémicas iniciadas na Seara e que envolveram diversos colaboradores. De certa forma, esta polémica entre Piteira Santos e Joel Serrão opunha as duas concepções históricas acima referidas, uma com intuitos mais cívicos e pedagógicos e outra de orientação científica.