Já são conhecidas as linhas mestras do desenvolvimento dos estudos de história de género, em Portugal, desde os anos 1970 até à atualidade (Cova, 2001, 1999; Vaquinhas, 2019, 2015, 2009, 2002, 2000). A democratização ocorrida na sequência da Revolução do 25 de Abril de 1974, entre outros fatores (entrada, em número crescente, de mulheres nos ensinos secundário, superior e no mercado de trabalho; inclusão nas agendas políticas de questões relativas aos direitos das mulheres, a par de deliberações do Conselho da Europa, da Comunidade Económica Europeia e de outras organizações sobre igualdade de oportunidades entre homens e mulheres...) teve um impacto significativo na renovação historiográfica e na mudança de paradigmas epistemológicos, impondo o diálogo interdisciplinar e acelerando os estudos de história das mulheres no país.
Seguiu-se o seu reconhecimento como área científica, abrindo caminho à receção do conceito de género no discurso historiográfico, o qual ocorreu nos anos 1990, fazendo avançar novas linhas de pesquisa e obrigando a reavaliar “as grandes questões da história”, ao partir-se do pressuposto de que a diferença de sexos não é apenas um fenómeno natural, mas uma construção cultural e histórica. A partir do final do século XX e, muito em particular, desde o início do século XXI, ocorre uma verdadeira “explosão” na pesquisa de história das mulheres e/ou género, multiplicando-se os estudos empíricos, respaldados, em grande parte, em quadros teóricos, de referência feminista ou outra.
Menos conhecida é a produção científica da fase “pré-histórica” dos estudos de género, ou seja, de períodos anteriores aos anos 1970, considerados por alguns autores os “anos zero” da sua emergência. Embora o “silêncio dos documentos”, a invisibilidade das mulheres numa história que se declinava no masculino e a ocultação da dimensão sexuada dos fenómenos, sejam dados há muito conhecidos para essa fase dos estudos, consonante, em grande parte, com o paradigma positivista predominante na ciência histórica, dispõe-se de alguma bibliografia sobre a intervenção feminina no processo histórico português, desde tempos recuados.