No final do século XIX, no quadro da conjuntura de crise do sistema representativo português, e no momento em que “sopravam ventos de democratização na Europa” (Almeida, “Eleitores, votos...”, 2010, p. 65), foi aberto um debate, no campo jurídico-constitucional, sobre o sistema eleitoral e as regras da inclusão/exclusão cívica, que não deixou de lado as mulheres. Ao arrepio da compreensão da maior parte da doutrina do século XIX, o constitucionalista Marnoco e Sousa (1869-1916) defende o sufrágio feminino, que vincula à natural evolução económica e social, afirmando, sem rebuços, que “a entrada da mulher na via económica exige, como consequência forçada, a sua entrada na vida política” (Sousa, Constituição politica...,1913, p. 274). O confronto entre o catolicismo e o movimento feminista, após a vitória republicana, é objeto de análise por parte do leigo Abúndio da Silva (1912), que, no âmbito do novo quadro de articulação entre crença e cidadania, destaca a importância da ação feminina enquanto vetor de “renovação social e de restauração católica” (Ferreira, Um católico militante..., 2007, p. 51).
Um dos outros eixos de concetualização da história das mulheres, entre 1850 e as primeiras décadas do século XX, centra-se, como se salientou, nas biografias de mulheres notáveis, o que, na opinião de Natalie Zemon Davis, constitui “a forma primigenia de historia de las mujeres” (Santesmases et alii, “Feminismos biográficos...”, 2017, p. 381). As origens desta corrente historiográfica são antigas, remontando à Antiguidade clássica, mais precisamente à galeria de mulheres virtuosas de Plutarco, sendo retomada pela historiografia de cunho positivista. A própria construção dos estados-nação no século XIX imprimiu à narrativa histórica e à criação de panteões de “homens célebres” um papel importante na definição simbólica das identidades nacionais, e que, por aproximação, beneficiou também as mulheres, consideradas “moralmente” superiores aos homens, permitindo demonstrar e/ou reivindicar o seu lugar na história, em particular, como rainhas (Benevides, Rainhas de Portugal..., 1878-1879) ou nos campos da cultura e da religião. Trata-se, no entanto, de uma reduzida elite feminina, pouco representativa da experiência coletiva das mulheres do seu tempo, cujos “talentos” são objeto de encomiásticos elogios.