Um exemplo representativo desta linha de produção histórica sobre o feminino pode ser ilustrado com pequenas biografias de mulheres que constam da obra Portuguezes Illustres, de M. Pinheiro Chagas (1873) e, muito em particular, do Diccionario Bibliographico Portuguez, de Inocêncio Francisco da Silva, continuado, após a sua morte, por Brito Aranha. Nos vinte e um tomos desta obra monumental, que se publicou entre 1858 e 1970, figuram cerca de cento e cinquenta mulheres, correspondendo mais de metade a personagens dos séculos XVIII e XIX. São referenciadas, sobretudo, pela produção literária, em especial, pela escrita de romances/novelas, de poesias/sonetos, de textos religiosos e vida de santos, mas também por traduções de obras estrangeiras.
No século XVIII, as considerações filosóficas, culturais ou intelectuais, de teor iluminista, favoreceram a emergência de uma elite letrada feminina, cuja influência e prestígio marcarão os salões/assembleias da nobreza ou da burguesia endinheirada nas principais cidades do país, sendo evocadas, entre outras individualidades, Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre, viscondessa de Balsemão (1749-1824) (Diccionario..., 2.º vol., 1859, p. 63), Francisca Paula Possolo da Costa (1783-1838) (Idem, 2.º vol., 1859, p. 318), Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, marquesa de Alorna (1750-1839), Leonor da Fonseca Pimentel, a célebre portuguesa de Nápoles (1752-1799) (Idem, 5.º e 13.º vols., 1860 e 1885, pp. 177-178; 290) ou Soror Maria Benta do Céu (1702-?) (Idem, 6.º e 16.º vols., 1862 e 1893, p. 136; 352), religiosa do convento da Conceição de Braga. Além da expressão literária, que constitui o principal “talento” evocado nas biografias, inquestionavelmente reconhecido por parte da crítica e do público, algumas das mulheres que constam dessa galeria envolveram-se com causas políticas do seu tempo, em particular com a respublica liberal, tendo deixado registos escritos do seu empenhamento cívico. É o caso, entre outras, de Joaquina Cândida de Sousa Calheiros Lobo (1780-?) (Idem, 4.º vol., 1860, p. 159), autora de um “Catecismo religioso, moral e político para instrução do cidadão português” (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1822) que tinha como intuito “promover a instrução política, tanto de homens como de mulheres”, e no qual apelava a uma mudança nos costumes, como forma de progressão das capacidades femininas (Castro, “Uma pioneira na política...”, 2010, pp. 114-116).