Após a aposentação de Júlio Dantas, o cargo de Inspetor Superior das Bibliotecas e Arquivos foi ocupado por António Ferrão, um homem que, desde o início da República, tivera um papel determinante no Ministério da Instrução, promovendo a modernização das bibliotecas e dos arquivos portugueses, quer do ponto de vista da sua organização, quer do tratamento técnico da documentação, acompanhando o que de mais avançado se fazia no estrangeiro (F. Ribeiro, Para o estudo…, 2008). Logo que assumiu o cargo de Inspetor, produziu uma série de estudos, dos quais é de realçar um relatório em que dedicou algumas páginas, fortemente críticas, ao Arquivo Nacional, analisando a sua organização e as deficiências encontradas e concluindo o seguinte: “É essencial e urgente fazer uma cuidadosa revisão dos núcleos do nosso Arquivo Nacional, reunindo os conjuntos da mesma ordem, natureza ou proveniência que ali se encontram disseminados (…). Depois, fazer uma classificação desses núcleos, conforme os princípios, normas e práticas de arquivística seguidos por toda a parte (…). Sem isso, encorporar ali mais papéis é aumentar a confusão. Tenho ideias assentes a tal respeito e um plano de classificação e arrumação em secções e séries, que me parece satisfazer, mas que não incluo aqui para não alongar este relatório. (…) Se um estudo sério, sur place, de tal desorganização vier demonstrar que é impossível, por ser laborosíssimo, reunir as partes dispersas dos mesmos núcleos, então há que se elaborar índices e catálogos especiais de tais núcleos, corrigindo-se, assim, até certo ponto, os inconvenientes da dispersão” (INSPEÇÃO…, “Crónica...”, 1946, pp. 35-36).
Em boa verdade, durante o quase meio século de apatia que pairou sobre a Torre do Tombo, o único esforço digno de referência, com vista a mudar o estado das coisas, deveu-se a António Ferrão. Mas, apesar do seu empenhamento, não se concretizou a sua projetada reorganização por “núcleos homogéneos”, nem há notícias de terem sido tomadas quaisquer medidas para reconstituir física ou intelectualmente os fundos do Arquivo Nacional, a não ser o trabalho iniciado em 1962, sob a direção interina do primeiro-conservador, José Gaspar de Almeida, com vista à elaboração de um “roteiro do arquivo”, que nunca chegou a ser publicado. Só em finais dos anos setenta é que, de facto, começam a ser pensados, de forma realista e eficaz, os problemas do arquivo, tendo sido nomeada uma comissão, em 1977, para estudar o programa do edifício destinado à reinstalação do arquivo e, em 1980, foi tomada a decisão sobre o local onde o mesmo seria construído.
No que respeita ao trabalho de tratamento do acervo, foi preciso esperar até 1984 para ver surgir o Roteiro de fontes da História Portuguesa Contemporânea, que veio suprir a falta de instrumentos de acesso à informação dos arquivos incorporados na Torre do Tombo, em particular os da época contemporânea. Os estudos históricos sobre esta época conheceram um desenvolvimento muito grande após o 25 de abril de 1974, mas os historiadores sentiam-se muito constrangidos nas suas investigações pela impossibilidade de acesso às fontes documentais, em consequência da falta de instrumentos de pesquisa para o efeito. Os dois volumes elaborados sobre o Arquivo Nacional foram um contributo inestimável que, embora no dizer dos seus autores procurassem “tão só orientar o utilizador na consulta do Arquivo”, constituíram um verdadeiro guia e vieram preencher uma lacuna incompreensível. Igualmente importante foi a publicação do Decreto 424/85, de 22 de outubro, que promulgou a lei orgânica da Torre do Tombo, revogando o regulamento de 1902, e que, do ponto de vista legal, criou as condições mínimas imprescindíveis à modernização do Arquivo Nacional. Veio também conferir-lhe autonomia administrativa, desligando-o da tutela do Instituto Português do Património Cultural, organismo que superintendia em matéria arquivística.