O surgimento e a evolução do Arquivo Nacional como serviço público
Os arquivos portugueses que, até finais do Antigo Regime, sofreram uma evolução natural e tranquila, que não foi afetada, de forma geral, por fatores externos de desestabilização, foram, na sua grande maioria, estruturalmente abalados, após a implantação do Liberalismo. A revolução de 1820, diretamente influenciada pelos acontecimentos ocorridos em França nos finais do século XVIII, veio impor uma nova ordem ao País e, em consequência disso, alteraram-se substancialmente as estruturas sociais, administrativas e financeiras. Tais mudanças tiveram reflexos nos arquivos, em particular no Arquivo da Torre do Tombo. Seguindo o exemplo francês, a burguesia liberal que tomou o poder em Portugal impôs, por via legislativa, uma série de alterações, de entre as quais emergem a extinção de muitas instituições e a nacionalização do seu património, situação que levou à mudança de local de inúmeros arquivos, sem a devida salvaguarda da sua integridade. Desta situação resultou uma desarticulação dos “sistemas de informação”, que desde há séculos se haviam desenvolvido e consolidado de forma integrada e coerente, com repercussões diretas no Arquivo da Coroa. Por um lado, os interesses administrativos determinaram a sorte da documentação dos cartórios nacionalizados, que ainda era útil para a gestão patrimonial do Estado; por outro lado, os interesses culturais foram decisivos para a salvaguarda de muitos arquivos, cuja documentação era considerada imprescindível para a História da Nação. Com efeito, em nome dos interesses historiográficos, surgiu legislação impondo a recolha obrigatória, no Arquivo da Torre do Tombo, dos documentos tidos como indispensáveis ao desenvolvimento da investigação histórica, cujo principal mentor foi, sem dúvida, Alexandre Herculano. O historicismo foi “responsável” pela desarticulação de muitos arquivos, mas também contribuiu para o desenvolvimento de algumas disciplinas que passaram a ser consideradas como auxiliares da História, como foi o caso da Paleografia, da Diplomática e da Arquivística, sendo notório o incremento da produção de instrumentos de acesso à informação e de transcrições de documentos, com o propósito claro de servir os historiadores na sua pesquisa de fontes documentais.
Estes interesses culturais, associados à ideologia liberal que considerava o Estado-Nação como um dos seus valores, vão ter influência, também, na nova conceção que passou a existir face ao Arquivo da Coroa. Seguindo o “modelo francês”, a Torre do Tombo adquiriu um novo perfil, em tudo semelhante aos Archives Nationales. De arquivo da Coroa passou a arquivo da Nação e no “regulamento provisional” de 1823 foi designado por Arquivo Nacional da Torre do Tombo (embora posteriormente tenha voltado a ser denominado Arquivo Real e só em 1911 tenha definitivamente recuperado o título de “nacional”), acumulando funções de gestão dos numerosos cartórios que nele vieram a ser incorporados. Foi, assim, alterada substancialmente a matriz original do Arquivo da Coroa, o qual passou a ser não apenas o repositório da informação “histórica” da administração central do Estado, mas também de toda uma série de outros sistemas de informação que nele foram integrados, transformando-se, pois, num arquivo/serviço público.