Das origens ao Liberalismo: uma evolução em continuidade
Constituído para conservar documentação régia, especialmente a de carácter fiscal, cedo o Arquivo da Torre do Tombo passou a guardar outro tipo de diplomas. Para além de exemplares originais de documentos expedidos, recolhiam ao arquivo, como já referimos, os registos da Chancelaria e a documentação relativa aos chamados “bens dos próprios da Coroa”, ou seja, à administração dos bens de raiz, rendas, censos e direitos reais pertencentes à realeza. Os limites cronológicos desta documentação situam-se entre 1299 e 1826, pelo que ela faz parte daquilo a que mais tarde foi chamado “núcleo primitivo do arquivo”.
O mais antigo testemunho que se conhece sobre o acervo documental da Torre do Tombo é uma carta do escrivão Tomé Lopes a D. João III, com data de 2 de março de 1526, dando conta do estado do arquivo e enumerando os documentos que até à época nele se guardavam (J. Pessanha, “Uma Rehabilitação histórica…”, 1905). Outros documentos do punho de Tomé Lopes (de 1529 e de 1532), que o próprio designa por “emvemtayro”, enumeram igualmente a documentação que se conservava no arquivo. Os textos de Tomé Lopes permitem também perceber a importância e a segurança atribuídas ao arquivo nessa época, evidenciadas pelo facto de monarcas, membros da nobreza e da igreja, de países estrangeiros, nele terem colocado, a título de depósito, documentos que consideravam valiosos e cuja conservação pretendiam assegurar.
Em 1583, também Cristóvão Benavente, num relatório que dirigiu a Filipe I sobre o funcionamento do arquivo, enumera a documentação existente e aquela que, em seu entender, devia ser recolhida na Torre do Tombo, o que nos permite perceber que o arquivo régio começava, progressivamente, a transformar-se em arquivo da administração central do Estado e a ter por função incorporar documentação já desnecessária sob o ponto de vista administrativo, vindo mesmo a receber incorporações de documentação proveniente de organismos extintos, quer da administração pública, quer de cartórios privados, como por exemplo, os fundos das chancelarias das Ordens Militares (P. Azevedo e A. Baião, O Arquivo da Torre..., 1989 [orig. 1905]).
José Luis Rodríguez de Diego, num estudo que publicou em 1989 sobre o regulamento do Arquivo de Simancas (regulamento este que é considerado o mais antigo diploma orientador do funcionamento de um arquivo de Estado), defende que o referido relatório constituiu a base essencial da Instrucción para el gobierno del Archivo de Simancas, de 1588. Segundo Rodríguez de Diego, a visita de Filipe I à Torre do Tombo e o interesse que demonstrou em conhecer a sua organização, patente no pedido feito a Cristóvão Benavente para elaborar o relatório, foram essenciais para delinear a organização do Arquivo de Simancas. Rodríguez de Diego afirma mesmo que o rei ao inquirir sobre “el orden y concierto” existente nos documentos da Torre do Tombo, pretendia “atesorar experiencia que aplicar a su archivo central de Simancas” (J. L. Rodríguez de Diego, Instrucción para el gobierno…,[1989?], p. 56).