Apesar de as incorporações contribuírem para, progressivamente, “engrossar” o acervo documental do arquivo, outras medidas tiveram um efeito inverso, conduzindo à sua delapidação, mercê da seleção e eliminação de documentos. Com efeito, por questões de ordem funcional e pragmática, a seleção e eliminação de documentos tiveram lugar no Arquivo da Torre do Tombo, em tempos bastante recuados. Referimo-nos ao facto de, no tempo de D. Afonso V, sendo guarda-mor Gomes Eanes de Zurara, ter sido mandada fazer uma primeira cópia de livros antigos da chancelaria, a que se pode chamar com propriedade uma primeira “leitura nova”, com a correspondente destruição dos livros antigos. Notícia desta intervenção pode ler-se no Livro 1º da Chancelaria de D. Pedro I, em que se diz: “(…) o muj serenjsimo e senhor El rrey dom afonso o quinto dos Reis de portugal (…) por quanto soube que na sua torre do tombo Jaziam mujtos liuros de Registro dos Reis passados (…) por razam da grande prolexidade de scripturas que se nos dictos registros contijnham sem proueito E ajnda por que pereciam por uelhice Mandou que se tirasem em este liuro aquellas que sustanciãaes fosem pera perpetua memoria E que as outras ficasem que a nehuu aujam razam d aproueytar (…). E eu gomez eannes de zurara (...) guarda da dicta torre a que o dicto senhor deu cargo desto mandar fazer ect” (J. P. Ribeiro, Dissertações chronologicas…, 1810, pp. 325-326).
Idêntica reforma foi executada nos reinados de D. Manuel I e D. João III – entre 1504 e 1538 – ficando conhecida por Leitura Nova. Consistiu na elaboração de 61 códices, escritos em pergaminho e artisticamente iluminados, constituídos por cópias de documentos mandados tresladar de livros da chancelaria e de “gavetas”, que se tornavam indecifráveis para os funcionários do arquivo, já que estes não eram capazes de ler as escritas mais antigas (A. H. de Oliveira Marques, “Leitura Nova”, 1975). Apesar do efeito que produziu em termos de eliminações documentais, a reforma empreendida por D. Manuel I, e continuada por seu pai, ao nível da organização e instalação do arquivo, muito contribuiu para o seu funcionamento exemplar.
Infelizmente, no tempo da dominação filipina, o arquivo que serviu de modelo para a regulamentação de Simancas viu o seu acervo delapidado e maltratado devido a variados atos de vandalismo. Dessa situação nos dá conta o relatório do escrivão Jorge da Cunha, de 29 de maio de 1631, estudado e publicado por Virgínia Rau (A Torre do Tombo…, 1945). A delapidação do acervo deveu-se ainda à destruição causada por acidentes naturais, como o terramoto de 1755 (P. Azevedo e A. Baião, O Arquivo da Torre..., 1989 [orig. 1905], pp. 16-18), embora hoje se saiba que a ação do guarda-mor Manuel da Maia foi determinante para o salvamento da documentação, minimizando as consequências do abalo que fez ruir a torre do Castelo de Lisboa, onde o arquivo estava instalado desde pelo menos 1378 (P. Azevedo, “O Engenheiro Manuel da Maia...”, 1917-1918). A documentação retirada dos escombros foi provisoriamente guardada numa barraca de madeira, construída na praça de armas do Castelo, tendo aí permanecido durante dois anos, até que foi transferida para a ala sul do Mosteiro de São Bento, onde esteve até 1862, altura em que, devido a obras na Câmara dos Pares, foi novamente transferida para o lado oposto do mesmo mosteiro.