Deste modo, a Historiografia Militar, dita tradicional, a qual perfilha as definições de “acontecimento”, “tempo” e “sujeito”, a história era a sucessão cronológica dos grandes feitos dos heróis e líderes militares e, na irrefutável maioria, dos chefes políticos. Este imperativo do événementiel político-militar estipulava, a priori, uma certa identidade historiográfica diferenciada entre História Geral e a História Militar, concebida como o estudo específico da guerra ou da actividade bélica: “É óbvio que a história militar permaneceu e continuou a cultivar-se segundo o modelo tradicional. E no caso da escola histórica inglesa, cuja tradição da história militar – da biografia dos grandes chefes à história da batalha – teve sempre grande prestígio, não só não desapareceu do panorama historiográfico como ocupou mesmo um lugar de destaque nas histórias gerais mais importantes, como a New Cambridge History. Mas esta é a excepção, porque a regra é outra. Com a fuga dos historiadores da história-batalha, a história militar retira-se para dentro do muro dos quartéis. Feita por militares e para militares, e assim privada da reflexão histórica geral, a história militar sofre um processo de marginalização/automarginalização com efeito duplamente negativo sobre o seu desenvolvimento e que marca todo o período da sua crise: em primeiro lugar fecha-se nos problemas internos, técnicos e específicos da instituição militar, evitando toda a reflexão sobre a relação dos militares com a sociedade civil e a política no sentido mais global. Em segundo lugar corta todo o diálogo com a história, agravando assim o fosso entre a história militar e a história geral, a primeira sempre apegada ao paradigma tradicional, a segunda em pleno processo de renovação” (Teixeira, «A História Militar…», 1991, 59).
Nos inícios do século XIX, a disciplina histórica tendeu a adquirir uma maior erudição, mas também um sentido de modernidade e intervenção sociopolítica, mantendo uma emulação com as demais Ciências, embora nem sempre tal sucedesse entre nós: “Assim como os acontecimentos políticos e militares não ocorrem isolados, assim também se não podem estudar isolados. Contudo, a história militar portuguesa tem sido feita em completo afastamento dos acontecimentos sociais, económicos e culturais; as únicas relações procuradas pelos historiadores militares visam acontecimentos políticos (de que os militares são considerados decorrentes) e, em menor grau, os aspectos técnicos da guerra. Mas também, como se disse atrás, não há dúvida de que muitos dos historiadores da economia ou da cultura procedem do mesmo modo em relação à história política e militar que desconhecem. Se a história militar segue o seu curso num «splendid» isolamento, este, em história económica ou cultural, não tem sido menos «splendid» (Macedo, O Bloqueio Continental…, 1990, 32-33)”.