Transparecerá nos textos de história uma noção indelével de volksgeist, ou seja, a evocação da alma do povo ou o génio nacional, motivando patriotismos exacerbados e a defesa intransigente das consciências cívicas. A constituição da história como disciplina científica, movida pelo Romantismo, tenderá para o culto da história pátria, o mesmo sucedendo nas temáticas militares. Entre inúmeros exemplos, despontam títulos cruciais como Mélanges Militaires, Littéraires et Sentimentaires (1795-1811), de Charles-Joseph, príncipe de Ligne (1735-1814); Handbuch der Artillerie (1804), de Gerhard von Scharnhorst (1755-1813); Vom Kriege (1832), de Carl von Clausewitz (1780-1831); Précis de l’Art de la Guerre (1836), de Antoine-Henri Jomini (1779-1869), entre tantas outras obras e eruditos, simultaneamente militares e académicos.
A História Militar desenvolveu-se na esfera da História Universal, em que o acontecimento militar era encarado como uma projecção social em sentido amplo, abrangendo o estudo das suas afinidades com o progresso das instituições e do próprio pensamento militar. Em Portugal, a História Militar seguiu os trilhos das suas congéneres europeias, pelo que, no decorrer do século XIX e grande parte do século XX, o seu campo de pesquisa seria um monopólio dos historiadores militares, limitando-se à narrativa dos sucessos/malogros militares e às biografias dos grandes cabos de guerra.
Assim se justifica que, a partir de 1850, a História Militar tornar-se-ia um utensílio ao serviço do Estado para servir a coesão interna e a afirmação externa de Portugal após o período perturbado das Invasões Francesas e das lutas civis, como o seria, embora mais tenuemente, no Estado Novo, sobretudo, nas décadas de 1930-1940, para reforço doutrinador do espírito nacionalista oficial, embora a função estritamente militar mantenha o seu carácter decisivo, ainda nos nossos dias. Naturalmente inseridos nas estruturas militares, desde a segunda metade do século XIX até às primeiras décadas do século XX os historiadores (quase todos militares de carreira) produziram estudos preciosos dentro de uma matriz tradicional da Historiografia e que subsistiriam até à actualidade, manifestando uma produção quási panegírica do Exército e de Portugal.
De entre os historiadores militares nacionais dedicados à História Militar desde os inícios do século XIX até aos nossos dias, começamos por focar a vida e obra historiográfica de Francisco Pedro Celestino Soares (c. 1791/3-1870), contra-almirante da Armada, membro do Conselho de Estado, deputado às Cortes e sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.