Entre os finais do séc. XIII e as últimas décadas do séc. XVI produzem-se, copiam-se e traduzem-se no espaço do reino de Portugal, e quase sempre em língua portuguesa, um conjunto de textos cuja desenvoltura narrativa sucedia à aridez do registo analístico. Desde muito cedo lhe seria atribuído o título de crónicas, dada a importância do tempo pretérito na sua estrutura e o recurso à narração. Sucedia assim à analística, progressivamente abandonada ao longo da Idade Média. Além da temática régia, predominante no conjunto da produção cronística, cultivam-se também temas religiosos, episódicos ou pretensamente biográficos. A historiografia interessou-se por todas elas de modo distinto, desde o final do decénio de Setecentos até à atualidade, com grandes variações na quantidade dos estudos e nas abordagens. De que forma evoluiu então a historiografia sobre a cronística medieval e moderna ao longo desse arco temporal?
A produção historiográfica sobre a cronística desenvolve-se em Portugal sobretudo a partir das últimas décadas do séc. XIX, embora ganhe uma orientação mais evidente a partir da década de 1950. Apesar disso, era notório já na primeira metade do séc. XVIII um interesse pelo estudo da cronística, materializado na coleção de fontes enquanto elementos vivos do passado e seus testemunhos mais diretos. Os catálogos inéditos que António Caetano de Sousa prepara entre 1721 e 1724 para a Real Academia da História, ou os publicados por Francisco Xavier de Meneses em 1724 são um breve exemplo disso mesmo. As anotações não muito extensas esboçam por vezes um detalhe que chega à comparação entre manuscritos ou apógrafos de uma mesma obra, à explicitação de lacunas ou variações gerais, à enunciação do incipit para contraste posterior, ou mesmo a algumas tentativas de datação dos manuscritos através da letra, com vista a «apurar a varia liçaõ de outros treslados das Chronicas antigas» (Collecçam dos documentos…, 1724, n. XVI, p. 5). Estas autênticas práticas de história positivista avant la lettre antecipavam algumas das metodologias que veremos desenvolverem-se a partir de meados do séc. XIX. No entanto, este prelúdio auspicioso não teria continuação imediata. Somente no final do séc. XVIII a historiografia em torno da cronística assistiria a um desenvolvimento substancial.