Será a visão de Herculano, no entanto, a marcar de forma mais vincada as coordenadas dos estudos cronísticos a partir de então e até meados do séc. XX. Entre 1853 e 1854 o historiador inventaria os principais fundos documentais do Centro e do Norte, incorporando em 1857 uma parte deles no Arquivo da Torre do Tombo. É desse contacto com um vasto número de fontes que terá surgido a intenção de avançar para uma edição das fontes medievais portuguesas, à semelhança das coleções que, como vimos, se vinham produzindo um pouco por toda a Europa desde o início do século anterior e, nalguns casos, até desde os finais do séc. XVII. Tal como faziam os Monumenta Germaniae Historica (publicados desde 1819),que Herculano conhecia, separará as rubricas entre Scriptores, Leges e Diplomata, deixando de parte as Epistolae e as Antiquitates. Em todo o caso, a sua intenção expressa era a de «facilitar do modo possível aos estudiosos o accesso quasi immediato das fontes historicas» (Idem, p. xxi), como afirma no primeiro volume dos Portugaliae, publicado em 1856. Divulgar os textos dos cronistas medievais era a sua forma de combater o desconhecimento da história, e através dele o declínio dos corpos sociais que afirmava noutros lugares da sua obra. Com esse conjunto de publicações, cujos três primeiros fascículos dos Scriptores eram dedicados exclusivamente a uma recolha da cronística produzida no espaço português, Herculano marcava um verdadeiro ponto de viragem na edição e na crítica dos textos. Os critérios editoriais reproduziam também em larga medida os seguidos pelos Monumenta alemães, tanto na referência a edições anteriores, como na opção de transcrição exata dos manuscritos (com exceção da introdução de pontuação), na anotação das variações e na confrontação das leituras dos apógrafos, nos casos em que o pretenso original se havia perdido.
As leituras de Herculano seriam durante as décadas seguintes da Monarquia Constitucional as únicas edições de muita da cronística anterior a Fernão Lopes e, em certa medida, a linha historiográfica sobre a cronística que prevaleceria até à entrada em cena de Lindley Cintra, já em meados do séc. XX. Também as suas opiniões acerca da datação e autoria dos textos eram consideradas decisivas. Inocêncio da Silva, no Diccionario bibliographico portuguez (1859, t. 2, p. 73), referindo-se às crónicas de Acenheiro acrescentará: «o nosso historiador [Herculano] qualifica aquella obra nada menos que de “rol de mentiras e disparates, publicado pela nossa Academia, que teria procedido mais judiciosamente em deixal-os no pó das bibliothecas». Já em pleno séc. XX, Joaquim Barradas de Carvalho consideraria o modelo historiográfico de Herculano uma «revolução epistemológica», uma rutura com a tradição que vinha desde o início da Academia das Ciências e do abade Correia da Serra. Borges de Macedo, pelo contrário, escreverá que o editor dos Portugaliae era precisamente um continuador dessa tradição da história-ciência.