Em todo o caso, a historiografia sobre a cronística, influenciada por esse esforço de regresso aos documentos originais – o «mármore» da «coluna polígona» que Herculano comparava à História (Opúsculos IV, s.d. [1842], p. 220) – e da sua depuração, desenvolver-se-ia até ao final do século. Tornava-se simultaneamente mais positivista, na datação e atribuição autoral dos textos, na intenção de objetividade e na exatidão das «provas» apresentadas e, ao modo de Fustel de Coulanges, na leitura mais aproximada possível dos textos. Esses princípios da valorização do documento são evidentes, para citarmos apenas um exemplo de entre muitos, em Ernesto do Canto. Os escritos e anotações do historiador açoriano sobre algumas das crónicas de Zurara, publicados no Boletim de Bibliografia Portuguesa (1879), detêm-se quase somente na comparação analítica entre os capítulos e na exatidão das palavras nos treslados, o que o leva a tecer uma dura crítica às alterações introduzidas pelo abade Correia da Serra nas edições que preparara para a Academia das Ciências. Confrontavam-se assim, à distância de um século, duas perspetivas antagonistas. De resto, as crónicas de Zurara seriam até ao fim da Monarquia as que mais cativavam os historiadores, reafirmando talvez a mentalidade colonialista predominante.
Até ao final do século, e já no início do séc. XX, a política editorial baseada naquelas cópias oitocentistas continuará a grassar autonomamente. As edições da trilogia de Fernão Lopes na Bibliotheca de Classicos Portuguezes, levada à estampa nos últimos anos desse século por Luciano Cordeiro, não só tomam por base a lição do abade Correia da Serra, como voltam a dispensar prefácio e anotação crítica. Membro do Partido Regenerador e fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1876, Cordeiro justificava essa decisão apontando o espírito «inconsequentemente monopolista dos eruditos ou dos que se querem dar ares de taes» como a principal inimigo da «leitura corrente» e da «assimilação immediata, actual, affectiva da multidão.» (Chronica do senhor rei D. Pedro I, 1895, p. 6). Gabriel Pereira, que será responsável pela continuação da Bibliotheca alterará essas disposições, prefaciando ele próprio edições das crónicas de Rui de Pina ou Duarte Galvão. O seu esforço ficava, porém, muito longe do que se fizera, alguns anos antes, na edição da Crónica da Guiné (1896-1899), por Charles Raymond Beazley e tradução de Edgar Prestage. Além das anotações críticas e notas suplementares ao texto, contava com extensos estudos introdutórios, quer sobre a vida de Zurara ou o contexto de produção das suas obras, quer sobre os manuscritos disponíveis e a evolução dos estudos históricos sobre o tema. Não obstante, a reedição de textos cronísticos para divulgação literária terá ao longo de todo o séc. XX uma expressão muito significativa, mas cujo rastreamento deixaremos aqui propositadamente inconcluso.