O encontro entre marxismo e historiografia em Portugal tem merecido pouca atenção da parte dos actuais historiadores. Tal dever-se-á a várias circunstâncias, da menor relevância do marxismo no panorama político-ideológico e académico de hoje até à tendência generalizada entre historiadores para subtraírem a própria historiografia à análise e à crítica historiográfica. Existem, todavia, alguns contributos que devemos mencionar, desde a polémica – a um tempo memorialística e historiográfica – travada em início dos anos de 90 entre Jorge Borges de Macedo e Fernando Piteira Santos (Jornal de Letras, 21 de Julho de 1992, p.6) até investigações desenvolvidas no âmbito da História da História ou da História do Comunismo (Madeira, «Os novos remexedores da História», 2007; Neves, Comunismo e Nacionalismo em Portugal, 2008). Tais contributos constituem o quadro bibliográfico que torna este mesmo texto possível.
Fases Históricas da Historiografia Marxista
Procurando fazer a história da presença do marxismo na historiografia em Portugal entre meados dos anos 30 e 1974 (limite cronológico superior do presente dicionário), começo por balizar a emergência e consolidação da historiografia marxista reportando três fases de tal processo.
A primeira fase foi marcada pelo comprometimento com o marxismo de um grupo de historiadores que, maioritariamente formados na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em finais dos anos 30 e inícios dos anos 40, durante esta década participaram de iniciativas políticas levadas a cabo pelos movimentos oposicionistas em geral e pelo PCP em particular, bem como de iniciativas culturais e científicas desenvolvidas na órbita da universidade e no meio editorial, de que é exemplo a Biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça (Neves, «A Biblioteca Cosmos», 2006). De um ponto de vista institucional, esta primeira fase da historiografia marxista ganhou expressão – conquanto assaz fugaz – na Sociedade Portuguesa para a História da Civilização (SPHC).