No Portugal de final dos anos 30, os ainda poucos marxistas procuravam fazer a denúncia do que consideravam ser a excessiva atenção que, na contemporaneidade, era dedicada ao passado. Nesses anos em que a política cultural do Estado Novo investia de forma significativa no culto do passado, com as comemorações do duplo centenário e as exposições do mundo português, um jovem como Fernando Piteira Santos, ainda estudante na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e navegando já na órbita do PCP, saía a terreiro para criticar o que designava como «passadismo palavroso» (Santos, «Considerações acerca da vida pública e dos meus compatriotas», 1939). Críticas como esta eram tanto mais veementes quanto apoiadas no entendimento que vários jovens marxistas faziam da sua missão militante: ainda sob impulso da revolução de 1917, essa missão era assumida com o objectivo de fazer precipitar um futuro que supunham à medida dos seus ideais. De modo a que a humanidade mais rapidamente abraçasse esse amanhã, o passado surgia-lhes como um fardo de cujo peso haveria que libertar o presente.
A situação alterar-se-ia, porém, a partir dos anos 40. No decurso desta década, entre os marxistas, verifica-se não apenas uma maior entrega à investigação historiográfica, como também o crescimento de um interesse pelo passado em si mesmo, crescimento que não pode ser dissociado do processo de nacionalização do marxismo. Em contraste com as narrativas dominantes, a historiografia marxista quis entender o passado na sua universalidade e internacionalidade, mas simultaneamente promoveu a constituição de um novo nacionalismo, alternativo quer ao nacionalismo oficial, quer – embora com continuidades em nada despiciendas – ao nacionalismo característico de outros sectores opositores do regime, nomeadamente de inspiração republicana. Podemos mesmo falar da elaboração de uma visão marxista da História de Portugal, a que nem sequer faltaram os exercícios de síntese convencionados pela História Nacional (Torres, Portugal – Uma Perspectiva da sua História, 1974; Castro, Lições de História de Portugal I, 1982; Castro, Lições de História de Portugal II, 1982).