A noção de tempo, já relativizada no romance de Virginia Woolf, Orlando (1928), onde a personagem se movimenta através das épocas, mudando de lugar e de sexo, abriu novas potencialidades ao tratamento do tempo e da História. Em 1964, Ruben A., com a publicação de A Torre da Barbela, inaugura um tipo de romance que anula a noção absoluta de morte, fazendo coexistir personagens pertencentes a séculos diferentes, agindo cada um de acordo com a mentalidade da sua época. Mário de Carvalho em O Livro Grande de Tebas (1982) e A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (1983), frisa a inexistência de referentes, situando a ação numa espécie de não-tempo e não-lugar, ao fazer uso da História paratática, isto é, da coexistência de vários séculos. É a História utópica, ucrónica, sem possibilidade de verificação. Na mesma linha, situa-se o livro de Teolinda Gersão, A Casa da Cabeça de Cavalo (1995), onde os antigos habitantes de uma casa, todos mortos, recordam o passado, evocando diferentes momentos-chave de suas vidas.
Significado da história e do tempo
Resta-nos abordar romances que se preocupam mais com o significado último da História do que com a referência concreta a qualquer episódio ou época. Nesta secção, incluímos três textos: As Naus (1988) de Lobo Antunes, Os Infiéis (1992), de Fernando Dacosta e Peregrinação de Barnabé das Índias (1998), de Mário Cláudio. Na primeira obra, há uma alusão mais ou menos direta ao fenómeno dos retornados no pós-25 de Abril, assumindo-se um carácter quase épico, uma vez que estes retornados possuem os mesmos nomes dos antigos heróis das descobertas; no romance de Fernando Dacosta há uma procura da utopia, que passa pela desconstrução do mito de glorificação portuguesa; Peregrinação de Barnabé das Índias propõe uma leitura da viagem de Vasco da Gama que transcende a simplesmente factual, para se situar num nível iniciático.
Conclusões
A importância do romance histórico é incontestável, como é incontestável a procura de uma identidade vacilante, num século que começa com a ameaça napoleónica ou inglesa e noutro que termina com o recuo para as fronteiras europeias e com uma nacionalidade que se esvai (ou pode esvair) numa Europa maioritária. No presente século, apesar de haver ainda algumas tentativas de romances com base histórica, não há já aquela necessidade de questionar o passado e de o fazer reviver de modos transgressivos e anacrónicos. Gostaria apenas de salientar o recente romance de Hélia Correia, Um Bailarino na Batalha (2018), onde a autora se refere ao fenómeno dos refugiados, dos migrantes, que atravessam o deserto africano em busca de uma Europa mítica, mas hostil. A descrição e relato deste percurso, mesmo não tendo as duas gerações de permeio que os teóricos tradicionais do romance histórico preconizavam, acabam por ser um testemunho surpreendente de uma realidade historicamente comprovada.