Um olhar crítico sobre os romances históricos oitocentistas leva-nos inevitavelmente a constatar uma anacronia, difícil de ignorar. Sendo, na sua maioria, historiadores, os romancistas dedicam um espaço considerável à descrição de ambientes e costumes, valendo-se dos seus conhecimentos eruditos. Não são raras as descrições da toponímia das cidades medievais, das vestes usadas por cada uma das raças em confronto, dos hábitos regulamentados e pessoais, da gastronomia e, até, da linguagem, como anota Walter Scott, no início de Ivanhoe (1819), ao apresentar um diálogo entre dois populares, que falariam anglo-saxão, e cujo diálogo ele teria traduzido para o inglês moderno (Walter Scott, Ivanhoe,1986, p. 13). A cor local parece perfeita e as personagens totalmente inseridas no tempo e lugar evocados. Há, contudo, uma limitação observável por qualquer leitor mais atento ou mais preparado na análise de atitudes e comportamentos: os ambientes são do passado, os lugares também, mas as personagens, sobretudo as inventadas, isto é, as que não tiveram uma existência documentada num outro tempo, são estruturalmente românticas. Elas atuam, amam, pensam como seres do século XIX e criam um desfasamento entre elas e o cenário em que se movimentam. Esta anacronia fragiliza a veracidade do narrado e coloca o romance histórico oitocentista sob o signo de uma ficcionalidade híbrida, jogando com as características da ficção romanesca e de um certo rigor histórico.
E a verdade é que os pormenores referenciais são menos interessantes do que o desenrolar de uma diegese tipicamente romântica, que, por vezes, soa a falso sob as excessivas roupagens da História. Heroínas românticas, portanto, as personagens femininas destes romances são, em geral, passivas e condicionadas pela atuação dos seus parceiros masculinos. Estes, porque, em Herculano, não possuem o moderado carácter scottiano, prefiguram o maldito herói, típico do Romantismo, cujas características concorrem inexoravelmente para um trágico fim. Em Eurico o Presbítero e em O Monge de Cister, Eurico e Vasco, respetivamente, encarnam o tópico do monge maldito, tão querido desde o romance gótico anglo-saxão. Não devemos esquecer que a primeira obra foi escrita como um libelo contra o celibato religioso, utilizando apenas o século VIII como pano de fundo, mas ignorando-o como prova fidedigna de reconstituição histórica. Aliás, o erro histórico em que Herculano cai, os padres no século VIII eram casados, revela-se pouco importante para os desígnios superiores que o movem: a defesa do celibato religioso, de acordo com os ideais oitocentistas. Como vemos, por esta brevíssima abordagem, o romance histórico de Herculano esquece, frequentemente, a História, para só a usar de modo superficial, conferindo às suas personagens uma fatalidade esmagadora, que as faz caminhar para uma morte angustiada e violenta. Não são os movimentos sociais ou as crises sociopolíticas que interessam, os condicionantes históricos são meros acidentes na vida desses heróis que correm vertiginosamente para um abismo que nunca tentam evitar.