Nos anos trinta de novecentos, começam a surgir alguns casos interessantes que se deverão considerar como pertencentes a uma espécie de estética de transição entre o romance histórico tradicional e a metaficção historiográfica pós-moderna. Publicados em 1936, Isabel de Aragão – Rainha Santa, de Vitorino Nemésio e Aventura Maravilhosa, de Aquilino Ribeiro, constituem inegavelmente dois casos de modernidade, quando as reflexões sobre a teoria da História ainda não tinham atingido a profundidade dos anos subsequentes. A obra de Vitorino Nemésio afasta-se radicalmente de outras biografias do início do século. O tipo de discurso do autor, cheio de comentários e reflexões, de uma ou outra incerteza, baseada na impossibilidade do conhecimento efetivo, aproxima-o decisivamente de obras mais recentes. É a tentativa de construir a outra história que Nemésio leva a cabo quando refere os pensamentos da rainha, apontando-os como hipóteses plausíveis, possíveis e, sobretudo, verosímeis. A novidade do seu texto não reside na visão que apresenta de Santa Isabel, que basicamente não se afasta da tradicional, mas na forma como o discurso histórico se equaciona, fugindo a uma factualidade pretensamente verdadeira, para se centralizar na periclitante dialética entre o sabido e o pressentido, o histórico e o imaginado.
O romance de Aquilino propõe uma alteração da História (a morte de D. Sebastião em Alcácer-Quibir), partindo do princípio de que, na existência de uma ténue dúvida, se pode construir uma outra verdade, tão possível como a que normalmente corre nas versões oficiais. Ele apresenta uma leitura outra e transgressiva do já aparentemente esgotado desastre de Alcácer-Quibir: D. Sebastião não morreu, mas terá de expiar a sua falta antes de reassumir o trono. No fim, será, subtilmente, mandado assassinar por Filipe II, repondo-se a ordem. Um outro autor menor, Samuel Maia, em HistóriaMaravilhosa de Dom Sebastião Imperador do Atlântico (1940) levanta hipótese semelhante, embora aqui a sobrevivência do rei o leve a criar um glorioso Império, noção a que não é com certeza alheio o espírito nacionalista e encomiástico da época.
Novas conceções da história e suas consequências no romance
A partir da década de 60, surge uma nova conceção da História, devedora da revista Annales. A consciência da impossibilidade de se aceder ao passado, o estudo das mentalidades (cuja ignorância levou o romance oitocentista a, inadvertidamente, criar caracteres românticos insertos em ambientes de outros séculos), o abandono de intenções didáticas, a análise crítica e irónica da História, contribuíram para o aparecimento de romances que brincam com o passado e no-lo mostram de modo desconfortável e transgressivo.