Sobre um par escreveu, afinal, o auto-retrato: “homem de espírito científico, que elabora e raciocina com conceitos precisos, robustos, impessoais, e não um crítico que se deixa transportar pelo enlevo da sensibilidade ou pelo pressentimento alvoroçado da intuição” (Idem, p.203). Na síntese de Sílvio Lima, negando abusivas nacionalizações póstumas do mestre: “Carvalho nunca executou qualquer viragem; liberal como político, racionalista de método como ser pensante, idealista como ente moral, deísta como Espinosa (panteísta da razão)” (cf Sílvio Lima, um místico da razão crítica (da incondicionalidade do amor intellectualis), 2009, p.545).

5. Avulta na historiografia contemporânea a mais-valia ético-deôntica de JC, correlata dos pré-requisitos epistémicos que a obra claramente reflecte: compacta formação transdisciplinar, humanística e literária, invulgar aptidão hermenêutica e soberania linguística (português, latim, espanhol, italiano, francês; mesmo inglês, alemão), auto-exigindo autonomia e rigor (”independência mental e sentido da objectividade, e, portanto, de verdadeiro espírito científico”, cf. OC, III, p.383) como signos do ofício de historiar, acentuando o serviço público (não pública mercê ou ordem pública) dos estudos culturais; excepcional solidez no domínio e tratamento de fontes, vendo-se nele o concatenador duma escola heurística que, não abstraindo do ensinamento metodológico (Langlois e Seignobos) visava a superar a excessividade da explicação; cartesiano rigor conceptual e clareza nos enunciados; idónea recepção e debate do contraditório; amplitude de campo na diacronia, viabilizada pela visão macrodisciplinar da cultura inscrita em cronologias longas, da história da expansão, das técnicas e da arte de navegar; da história da filosofia à história política; à literatura, ensaio, crítica literária; coerência didascálica na profissão docente; competência dialógica e pedagógica, potenciando o sentido crítico e cívico dos discentes (também na Esc. Normal Superior de Coimbra, onde, com S. Lima, é influente mestre); busca de contactos internacionais de excelência, mestria editorial e esforço de actualização científica e cultural, incutindo hábitos beneditinos, não no habitat, mas no habitus teórico do ser (Bourdieu), na tarefa mental dos discípulos.

Efeito de distanciação face à politique d´abord que muitos coagia à traição dos clercs, o que não significa intencional abstracção (a torre de marfim, décadas debatida após Benda) do mundo e do tempo que viveu, pensando a história e historiografando o pensamento, não sem acusar, confirma-o a obra, o duplo embargo de livremente se sondarem na ditadura nacional-seminarista.

1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | (Pdf)