Ainda em 1936, Gilberto Freyre foi convidado pelo editor José Olympio Pereira Filho a assumir a direção da Coleção Documentos Brasileiros, a ser lançada no mesmo ano. Mais importante que a considerável remuneração, que se somaria aos proventos recebidos como professor, desde 1935, da recém-fundada Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, a oferta representava a oportunidade de ocupar uma posição privilegiada dentro de uma das principais editoras do país e, assim, intervir de modo mais direto sobre o circuito de produção e circulação de ideias. Aceite o convite e com autonomia total na definição dos títulos da série, ele não apenas ganhava um espaço em potencial para seus futuros livros como, em especial, uma possibilidade concreta de ampliar para além de sua própria obra os seus esforços no sentido da renovação do conhecimento sobre o Brasil, e não deixaria de aproveitá-la para estabelecer um programa de ação centrado em seus próprios interesses intelectuais.

Seu texto de apresentação ao primeiro volume da coleção – Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda –, intitulado justamente “Documentos Brasileiros", já o evidenciava com clareza, à medida que emulava as bases de sua própria obra individual, a começar da atenção dedicada ao caráter histórico de memórias, biografias, livros de viagem e toda “uma variedade de material em grande parte ainda virgem”. Também a “história íntima” da sociedade, reivindicada na abertura de Casa-grande & senzala, reaparecia na referência àqueles “que procuram conhecer o passado brasileiro na sua maior intimidade”, assim como o acento no caráter diversificado da história e na necessidade de abordá-la com “humildade”, porém sem deixar de quebrar a sua rigidez para assim “humanizá-la”.

Por conseguinte, nada mais lógico que os autores elencados como colaboradores do projeto tivessem grande afinidade com seu diretor, de amigos como Octavio Tarquínio de Sousa, Olívio Montenegro e o próprio Sergio Buarque a investigadores ligados às modernas ciências sociais e ao meio acadêmico no Brasil e no exterior, como Heloisa Alberto Torres, Donald Pierson, Pierre Deffontaines, Percy Alvin Martin. Ou seja, a arquitetura da coleção nada mais era senão uma bem planejada extensão da casa-grande intelectual construída por Freyre, que a administrou com grande zelo até 1938, quando decidiu deixar o cargo (coincidência ou não, no mesmo ano deixa a cátedra na Universidade do Distrito Federal); jamais deixaria, todavia, de estar próximo a ela e a José Olympio, editor e editora, que, de fato, tornaram-se responsáveis por publicar o grosso de sua obra até o final do século, incluindo Casa-grande & senzala.

1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | (Pdf)