A historiografia artística portuguesa do século XIX emergiu cerca de 1815 com os pintores Cyrillo Volkmar Machado e José da Cunha Taborda, adquiriu consistência trinta anos depois com o embaixador da Prússia Atanásio Raczynski, ganhou sofisticação crítica com Ramalho Ortigão, mas foi sem dúvida Joaquim de Vasconcelos que lhe deu a melhor expressão e o maior fôlego renovador. Nasceu no seio dos discursos sobre a nobreza das artes do desenho, encorpou-se no exercício da erudição e coloriu-se de entusiasmo nacional. Tomou assim uma dupla personalidade, mantida até ao Estado Novo, e uma uniformidade estética, que a fez opor-se com tenacidade às correntes «modernas». Terminou na segunda década do século XX com os últimos livros de Joaquim de Vasconcelos e uma pronunciada mudança de gerações.
Até 1780, os estudos eram raros, merecendo destaque algumas produções literárias inéditas do pintor e arquitecto Francisco de Holanda (Lisboa, 1517 – Lisboa, 1584) e do pintor Félix da Costa Meesen (1639-1712). O escultor Machado de Castro (Coimbra, 1731 – Lisboa, 1822) exprime o século XVIII através de opúsculos sobre os méritos e a utilidade das artes do desenho.
A intenção propriamente historiográfica começou a despontar, como dissemos, em 1815, com artistas que escreviam para salvaguardar a memória e a importância da sua arte. Cyrillo Volkmar Machado e José da Cunha Taborda exprimem este início, realizado sob o signo das regras clássicas e do enfoque biográfico. Naquele ano, o pintor régio José da Cunha Taborda (Fundão, 1766 – Lisboa, 1834), activo nos Palácios da Ajuda e de Mafra, acrescentou uma Memória dos mais Famosos Pintores Portugueses à tradução das Regras da Arte da Pintura, de Prunetti. Em 1823, numa obra já póstuma, o pintor Cyrillo Volkmar Machado (Lisboa, 1748-1823) apresentou uma Colecção de Memórias Relativas às Vidas dos Pintores e Escultores, Arquitectos e Gravadores Portugueses e dos Estrangeiros que Estiveram em Portugal, que abrange quase centena e meia de nomes. Paulo Varela Gomes considera-o «o primeiro historiador da Arte português e o homem que no nosso país mais escreveu sobre questões artísticas entre Francisco de Holanda e o final do século XIX» (A Confissão de Cyrillo, 1992, p. 15). Estudou pintura com um tio, frequentou academias em Sevilha e Roma, fundou em Lisboa uma efémera aula de desenho e trabalhou em Mafra durante mais de uma década, aqui tendo acentuado o seu pendor erudito, expresso em obras como Conversações Sobre a Pintura, Escultura e Arquitectura (1794-1798) e Nova Academia da Pintura (1817) e na tradução de Honras da Pintura, Escultura e Arquitectura, de Bellori (1815). A Colecção tornou-se uma referência obrigatória pela síntese bibliográfica e pelas informações sobre a arte do seu tempo.